Cenas tristes
Vamos assumir: ninguém é feliz, não existe gente feliz. Existe gente que, vez por outra, fica feliz. Fica, do verbo "experimentar algo momentaneamente". A felicidade é arisca: ela foge da gente quando menos se espera, e por qualquer besteira. Um momento feliz é estragado pela notícia da morte do Bussunda, por exemplo; ou por cenas tristes que alojamos sem querer em nossa memória, como aquelas que eu tipicamente extirparia do cérebro em troca de um braço, se fosse possível amputar uma coisa pela outra:
Cena 1: Sala de espera do centro cirúrgico do Pró Cardíaco. O cirurgião sai por aquela porta que só abre por dentro e diz pra gente que minha nonna morreu na mesa operatória. Pra mim, nada de bom que aconteceu no mundo depois desse segundo chegou perto de neutralizar, atenuar ou me fazer esquecer da dor desse momento.
Cena 2: Pampulha, Belo Horizonte. Um cinegrafista amador registra o momento em que um bebê vivo é retirado da lagoa, dentro de um saco plástico preto. Minha fé na Humanidade nunca mais foi a mesma desde então.
Cena 3: Via Dutra, dia ensolarado. Depois de ter desviado de um cachorro que atravessava a rodovia, vejo por meu retrovisor um carro - que vinha cerca de 1 km atrás de mim - mudar de pista na estrada vazia para ir de encontro ao cão que eu acabara de salvar. Até hoje, se fecho os olhos depois de fixar o olhar em uma estrada como a Dutra, ouço o mesmo baque seco seguido de um ganido e vejo aquele cão amarelo rodopiando de lado no asfalto, com seus membros estirados como se empalhado fosse, girando mil vezes, até parar inerte. E sinto, até hoje, a mesma náusea e o mesmo urro estrangulado na garganta daquele dia. Um urro de ódio por pertencer à mesma espécie dessas criaturas que matam por prazer.
***
Só espero que o Brasil vença a partida amanhã. Não estou podendo arcar com nenhuma tristeza adicional.
Cena 1: Sala de espera do centro cirúrgico do Pró Cardíaco. O cirurgião sai por aquela porta que só abre por dentro e diz pra gente que minha nonna morreu na mesa operatória. Pra mim, nada de bom que aconteceu no mundo depois desse segundo chegou perto de neutralizar, atenuar ou me fazer esquecer da dor desse momento.
Cena 2: Pampulha, Belo Horizonte. Um cinegrafista amador registra o momento em que um bebê vivo é retirado da lagoa, dentro de um saco plástico preto. Minha fé na Humanidade nunca mais foi a mesma desde então.
Cena 3: Via Dutra, dia ensolarado. Depois de ter desviado de um cachorro que atravessava a rodovia, vejo por meu retrovisor um carro - que vinha cerca de 1 km atrás de mim - mudar de pista na estrada vazia para ir de encontro ao cão que eu acabara de salvar. Até hoje, se fecho os olhos depois de fixar o olhar em uma estrada como a Dutra, ouço o mesmo baque seco seguido de um ganido e vejo aquele cão amarelo rodopiando de lado no asfalto, com seus membros estirados como se empalhado fosse, girando mil vezes, até parar inerte. E sinto, até hoje, a mesma náusea e o mesmo urro estrangulado na garganta daquele dia. Um urro de ódio por pertencer à mesma espécie dessas criaturas que matam por prazer.
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Só espero que o Brasil vença a partida amanhã. Não estou podendo arcar com nenhuma tristeza adicional.
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