Dos vírus que não pegam
Sou fã de Heloísa Helena. Não pra presidente da nação, mas enquanto pessoa, a nível de gente, como brincou a Cora outro dia. E como criatura que talvez esteja fazendo muito barulho por nada, mas que não desiste nunca, porque é brasileira. Eu não sei o que me deu na cabeça pra não ter ficado doente durante o expediente, como se diz no serviço público, pra poder ir ao debate de ontem, promovido pelo jornal O Globo, com a candidata. Devo ter tido um surto de HHelenite. É uma doença rara, que acomete gente com a dignidade maculada pelos perdigotos purulentos da impunidade que afogam o país nesse mar de lama.
Trabalhando há menos de 3 anos no serviço público, cheguei à incômoda conclusão de que basta uma pessoa incorreta para modular negativamente o comportamento de 100 corretas, ao passo que são necessárias pelo menos 100 pessoas corretas para modular positivamente (ou forçar o exílio, licença médica ou exoneração, que há casos sem cura) de uma pessoa incorreta. O vírus do desvio moral e cívico, o da Lulite, digamos assim, é muito mais virulento que o da HHelenite.
No ano passado, vi no cinema um filme tão lento e cansativo que, ao sair da sala de projeção, não sabia distingüir exatamente meu sonho (dos minutos cochilados) da história, um tanto quanto fantástica, de um tempo futuro em que as pessoas poderiam ser inoculadas com "vírus" genéticos moduladores de talentos específicos, como o da empatia, fundamental a um investigador de polícia, por exemplo. Talvez esse filme seja bom, e o cansaço seja coisa minha; estou cansada de mentiras, de gente que se contenta com o mínimo, de gente que não cede um milímetro do que tem só pra si pra que todos ganhem um metro mais a frente. Saí do cinema aquele dia pensando como seria bom se um dia a ciência desenvolvesse um vírus comportamental, um replicante sem vacina pra integridade de caráter, e com ele borrifasse o Planalto Central, só pra início de conversa. Seria bonito de ver os deputados devolvendo seus carros e abrindo mão da verba pros terninhos e pras diárias de hotel em que eles nunca dormem. Mesmo que esse mau funcionamento ocorresse uma única vez, em um único dia, esse dia valeria minha vida. E eu poderia, finalmente, tirar das costas o peso dessa culpa que tenho de ser egoísta o bastante pra querer ter filhos num mundo onde os vírus bons nunca pegam. E os HHelenitovirus-positivos se sentem, como eu, uns otários babaquaras cansados de guerra.
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