Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, março 22, 2006

A mulher de 33 e sua família de pilotos

Eu levo séculos pra ir pra Miguel Pereira com meus pais e, é só passar os primeiros 5 minutos no carro com eles que eu me lembro do porquê: meus pais no volante, perigo constante. Eles correm, fecham, cortam, disputam e, se não fossem tão razoáveis, teriam uma metralhadora acoplada ao pára-brisa traseiro pra disparar dunduns nos desafetos de pistas.

Quando eu tinha meu carro, não ia sempre pra Miguel porque sou estressada na estrada: quero ultrapassar todos os carros, vacas, árvores, postes e até placas de trânsito. Não admito nada na minha frente. Só que isso sou eu: quando eu dirijo assim, me distraio e nem reparo que meu carona está convulsionando de medo. Outro dia uma amiga pediu um lexotan no meio da serra, porque ela tinha a nítida sensação de que se eu não a matasse, ela morreria sozinha. De pavor. E minha mãe sempre pede que eu ligue pra ela quando chego noutra cidade, mas eu geralmente faço isso depois de chegar, desfazer as malas, tomar banho e umas e outras, porque se ligo na mesma hora ela percebe que eu corri. E eu corro demais, isso é fato.

Já sofri 3 acidentes de carro, dois deles com meu pai dirigindo. Nessas duas, eu sou testemunha de que a culpa não foi dele, e sim do bêbado que vinha na contramão. Meu pai nos salvou do pior graças ao seu super ultra mega reflexo de piloto de fórmula-1, mas hoje eu tendo a achar que grande parte desse reflexo é história. Por isso, quando subimos a serra com meu véio a cento e tanto por hora em quarta, eu evito dizer que estou congelando que nem pingüim que é pra ele não tentar fechar o vidro e, na seqüência, voar com o carro despenhadeiro abaixo. Até porque, conhecendo meu pai como eu conheço, se nós sobrevivêssemos, ele poria a culpa em mim.

Meu irmão, Ilton Hemetério, começou a dirigir aos 13. Teve seu primeiro acidente de automóvel importante aos 16, exatos 7 dias após ganhar um belíssimo FIAT 147 dos meus pais. Minha mãe pôs a chave em suas mãos e, sem saber, vaticinou: "O carro não acaba em uma semana". O danado transformou o carrim em uma safona sem teto. Levou 170 pontos na testa, mais umas dezenas no olho. Quando chegamos ao hospital, Ilton parecia uma múmia. Não tinha nenhum lugarzinho sem atadura no corpo pra minha mãe dar-lhe uma porrada. Por isso, anos depois, ela se vingou em mim, deixando-me tirar carteira apenas aos 20 anos.

Comecei cedo minha carreira de piloto indomável: quando eu coletei meu primeiro caminhão na estrada, eu tinha menos de 30 dias de carteira. O caminhão me tirou da pista e me jogou 20 metros acostamento adentro. Saí ilesa, mas gritando, do mato de 2m de altura. Morro de medo de cobra. Nem tive tempo de ter medo do caminhão, foi tudo rápido demais.

Por isso tudo, eu vou criar meus filhos pra andarem de bike. Carro é um troço muito yang e agressivo. Eu, particularmente, amo carro. Mas não quero isso pros meus filhos.

Acho que posso esperar mais uns 20 anos antes de ter o primeiro. Filho.