Fred Negão
Não trago muitas recordações boas da escola. A bem da verdade, sofri pacas na escola e minha infância não foi nada pink. Aurora da minha vida é o caráleo! Eu tinha uma asma horripilante e minha mãe nunca me deixou matar nem uma aula por isso. Eu tirava 9.0 e meu pai me perguntava porque eu tinha perdido aquele ponto na prova. Minha escola participava de todas as olimpíadas intercolegiais com um time sinistraço composto por meninas negras altas, verdadeiras deusas gladiadoras do handball, mas nas aulas de educação física eu era sempre a menos empolgada porque calhava de ser sempre a última a ser escolhida pro banco de reservas do time que perdeu no par ou ímpar.
Minhas melhores memórias daquela época estão intimamente relacionadas aos poucos amigos que tive no hostil ambiente escolar, alguns dos quais mantenho até hoje (salve Wal!). Contudo, de alguns desses amados, eu nunca mais tive notícias. É o caso do Fred Negão.
O Fred foi o único gênio verdadeiro que eu conheci na vida. Que as pessoas inteligentes que me cercam não fiquem enciumadas, mas quando eu digo gênio, não quero dizer que ele ocasionalmente dizia uma frase brilhante na hora certa, mas sim que ficava, aos 10 anos de idade, calculando quantos dias uma pessoa levaria caminhando da Terra pro Sol, obviamente (e nas palavras dele) se não morresse carbonizada a não sei quantos anos-luz do astro rei, em plena aula mortífera de Educação Moral e Cívica, enquanto anotava num canto de caderno surrado, COM UMA LETRA IMPOSSÍVEL, as perguntas que ele deduzia que a professora faria na prova, com gabarito e tudo (e ele sempre acertava), e jogava uma bolinha de papel e cuspe por dentro da gola do Léo, que sentava na cadeira da frente. Ufa! A multifuncionalidade do cérebro do Fred me fazia sentir o peido do próton da ameba do cocô do bandido.
Apesar de ser um gênio, e como é típico dos gênios, o Fred não era um cara popular no colégio. Por motivos completamente distintos -- eu por ser asmática e ter nascido inválida pro handball, ele por ser um gênio --, nós éramos a escória da escola. Isso, no entanto, nos aproximou ao longo dos anos. A cada ano que passava, eu olhava com mais simpatia praquelas olheiras esverdeadas do Fred, que era tão branco, mas tão branco, que de seu rosto saltavam úmidas mucosas palpebrais róseas, como uma planta carnívora colorida desenhada em fundo albino. Ele era uma daquelas crianças fisiologicamente transparentes que um médico meio cego, meio distraído diz se tem ou não anemia, se o sangue está sendo oxigenado direitinho nos alvéolos ou não, assim, a uns três metros de distância. Pois bem. Eu, como criatura melaninamente mais favorecida, cresci tendo um pouco de pena da brancura do Fred (pois se eu, que era morena, era escorraçada pelos atletas maiores, imagina ele, que era minúsculo e branquelo!). Então, um belo dia, decretei:
- Fred, você é negão.
- Por que você diz isso?
- Tá vendo essa pinta marrom que você tem aqui no braço? E essa outra aqui, no cotovelo? Pois esta é sua cor natural. O resto é só uma máscara social. No duro, Fred, você nasceu pra ser negão. Você nasceu pra brilhar!
O Fred ficou orgulhosíssimo. A atitude do bichinho mudou, ele floresceu! A partir desse dia, passamos a nos tratar por "negão" e "negona", mas no caso dele ninguém entendia bem o porquê. Viramos cúmplices.
Minhas melhores memórias daquela época estão intimamente relacionadas aos poucos amigos que tive no hostil ambiente escolar, alguns dos quais mantenho até hoje (salve Wal!). Contudo, de alguns desses amados, eu nunca mais tive notícias. É o caso do Fred Negão.
O Fred foi o único gênio verdadeiro que eu conheci na vida. Que as pessoas inteligentes que me cercam não fiquem enciumadas, mas quando eu digo gênio, não quero dizer que ele ocasionalmente dizia uma frase brilhante na hora certa, mas sim que ficava, aos 10 anos de idade, calculando quantos dias uma pessoa levaria caminhando da Terra pro Sol, obviamente (e nas palavras dele) se não morresse carbonizada a não sei quantos anos-luz do astro rei, em plena aula mortífera de Educação Moral e Cívica, enquanto anotava num canto de caderno surrado, COM UMA LETRA IMPOSSÍVEL, as perguntas que ele deduzia que a professora faria na prova, com gabarito e tudo (e ele sempre acertava), e jogava uma bolinha de papel e cuspe por dentro da gola do Léo, que sentava na cadeira da frente. Ufa! A multifuncionalidade do cérebro do Fred me fazia sentir o peido do próton da ameba do cocô do bandido.
Apesar de ser um gênio, e como é típico dos gênios, o Fred não era um cara popular no colégio. Por motivos completamente distintos -- eu por ser asmática e ter nascido inválida pro handball, ele por ser um gênio --, nós éramos a escória da escola. Isso, no entanto, nos aproximou ao longo dos anos. A cada ano que passava, eu olhava com mais simpatia praquelas olheiras esverdeadas do Fred, que era tão branco, mas tão branco, que de seu rosto saltavam úmidas mucosas palpebrais róseas, como uma planta carnívora colorida desenhada em fundo albino. Ele era uma daquelas crianças fisiologicamente transparentes que um médico meio cego, meio distraído diz se tem ou não anemia, se o sangue está sendo oxigenado direitinho nos alvéolos ou não, assim, a uns três metros de distância. Pois bem. Eu, como criatura melaninamente mais favorecida, cresci tendo um pouco de pena da brancura do Fred (pois se eu, que era morena, era escorraçada pelos atletas maiores, imagina ele, que era minúsculo e branquelo!). Então, um belo dia, decretei:
- Fred, você é negão.
- Por que você diz isso?
- Tá vendo essa pinta marrom que você tem aqui no braço? E essa outra aqui, no cotovelo? Pois esta é sua cor natural. O resto é só uma máscara social. No duro, Fred, você nasceu pra ser negão. Você nasceu pra brilhar!
O Fred ficou orgulhosíssimo. A atitude do bichinho mudou, ele floresceu! A partir desse dia, passamos a nos tratar por "negão" e "negona", mas no caso dele ninguém entendia bem o porquê. Viramos cúmplices.
(to be continued)
PS: O aniversário do Lau é hoje!
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