Semper Fidelis Pet Hotel
Depois deste post, espero que vocês me perdoem pela ausência nos últimos dias. Tenho trabalhado feito cão, literalmente.
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Há cerca de quarenta dias, eu transformei a casa de meus pais em um hotel canino pré, trans e pós carnavalesco. Para uma canceriana carente e dura como eu, o empreendimento apresentava a dupla vantagem da peludoterapia intensiva em domicílio, sem os característicos 12 ou 17 anos de comprometimento logístico, e dos trocados que isso geraria. Obviamente, contudo, porque rapadura é doce má né mole não, meu micro pequeno e embrionário negócio teve seus percalços. O primeiro deles foi passar o carnaval mais light e chocho de toda a minha vida: eu tinha hora pra acordar (sempre cedo) e pra chegar em casa, porque todo peludo precisa e merece uma rotina inabalável, chova ou faça carnaval, muitos passeios por dia e comida na hora certa.
O Pug era a coisa mais fofa do mundo, sendo seu único defeito a falta de um nariz funcional que o fizesse perceber que ele não era exatamente a coisa mais cheirosa do mundo. Ou talvez o problema fosse do meu pai, cujo nariz perfeitamente funcional e implicante me perguntava vinte vezes por dia se não estava na hora de dar um banho no pitoco, coisa que só acontecia de 15 em 15 dias porque eu sou veterinária e defensora feroz do direito dos animais ao seu próprio cheiro de animal. Tratei logo de definir as roupas que eu usaria para me enroscar no Pug e, após o uso, as embalava em um saco plástico rotulado como “material nuclear contaminante”, junto com a roupa suja do resto da galera. Assim, na hora de lavar roupa, ficava fácil distinguir as peças que passariam pelo ciclo de roupa violentamente suja e possivelmente perdida para sempre (as minhas) das demais. Depois, dei um antibiótico para combater o bafus gravis, uma anomalia que mais cedo ou mais tarde acomete 11 em cada 10 prognatas que não cuidam dos dentes diariamente, removi o tártaro e passei a escovar os dentes do pitoco dia sim, dia não. O hálito fresco, no entanto, só durava cinco minutos. Uma pena, porque era público e notório que ele detestava (um pouco) escovar os dentes, e pelo sacrifício que era, os resultados deveriam ser mais prolongados.
Com o passar do tempo, percebi que a falta de um nariz funcional fazia com que o pequenino tivesse de esfregar a cara no xixi dos outros cães para entender de quem era aquilo. Vocês podem ficar horrorizados com o que vou dizer, mas além de esfregar a lateral de seu corpinho mignon nessa coisa imunda que é um muro todo mijado (quando levantava a patinha pra mostrar sua identidade canina), muitas vezes ele lambia o xixi dos outros cães. Eu tentava me lembrar de só beijá-lo depois da escovação de dentes. Na prática, porém, era mais fácil eu tomar um banho após cada interação com o Pug. Foram dias de muitos banhos por dia, dias felizes pois.
Apesar de meus esforços heróicos para manter o Pug limpo e escovado, e o chão aspirado e limpo, o nariz de meu pai permanecia irritantemente rigoroso e funcional. Foi aí que eu comecei a apelar para o perfex-com-água-e-2-gotas-de-vinagre, que deixa o pêlo brilhante, neutraliza odores e não solta as tiras. Puro placebo, claro, mas com isso eu curei o olfato patológico do meu pai. Dizem que depois de um tempo, até os mais chatinhos se acostumam com cheiros que originalmente não tolerariam. Viva a liberdade de expressão dos animais!
Esta semana, aconteceu um pequeno overlap de hóspedes: o Pug deveria ter feito seu check-out num dia, a Poodle deveria ter feito seu check-in em outro... aí, por ociosidade de vagas, o Dalizinho foi ficando... Até que houve um momento em que os dois se encontraram no mesmo apartamento! Não posso dizer que foi um caso de amor à primeira vista, porque ele é um senhor sério, ela é uma mocinha espevitada; ele ficou muito assustado com a energia dela, ela com a sisudez dele; eles tentaram algumas posições para testar a hierarquia, e ela acabou mostrando lindos dentinhos brancos pra ele. Tive de fazer um malabarismo e tal para manter o Pug a salvo da tirania tipicamente feminina, mas o que mais me marcou na chegada da Poodle foi o enxoval que chegou à minha casa com ela: em uma mala vermelha de 20kg com rodinhas, dessas que fazem a gente querer viajar só pra ter uma mala nova, havia uma cama com edredon felpudo, brinquedos cheirosos de pelúcia, ração light (porque, como toda mulherzinha que se preze, a Lala também está de olho no peso) e – coisa mais linda, ah se todos os donos fossem assim! – uma pasta com todos os seus documentos e certificados de vacinação.
Eu me apaixonei imediatamente pela Lala, e em quinze minutos descobri que ela pode ser facilmente encontrada em sofás, camas e todos os lugares mais humanos que caninos. Faz sentido: eu me sinto muito mais cachorro do que ela. Espero não embaraçá-la por me comportar de forma tão primitiva. Tenho a impressão de que uma poodle gente boa e bem tratada assim pode facilmente dar palestrar sobre como ser uma lady, especialmente for dummies. Eu me inscreveria, claro. Tenho muito a aprender com ela, sobretudo em relação ao cabelo, que o dela é cacheado, macio e discretamente vermelho, como eu gostaria que o meu fosse.
Minha mãe tira uma casquinha da Lala no sofá, meu pai rosna e a cutuca com o pé pra ver se também tem direito a um cafuné (ou se minha mãe está dando todo seu afeto para a poodle); ela diz que quer abrir um hotel de cães comigo; ele diz que tudo bem, desde que não seja mais lá em casa, porque tem saudade do tempo em que o sofá era só dele. Eles ficam falando essas coisas e eu deixo meu pensamento flutuar pela esperança de perderemos juntas, eu e Lala, o peso excessivo, porque esta, sim, encara caminhadas vigorosas de duas horas ao contrário do Pug sem o nariz funcional, o que tanto lhe prejudica o desempenho esportivo. Agora eu já sonho em treinar um cão pra correr a meia maratona comigo.
Talvez eu seja DDA. Ou talvez eu deva trocar de cabeleireiro, ou comprar uma mala nova. No mundo ideal, eu seria a Lala.
Minha mãe tira uma casquinha da Lala no sofá, meu pai rosna e a cutuca com o pé pra ver se também tem direito a um cafuné (ou se minha mãe está dando todo seu afeto para a poodle); ela diz que quer abrir um hotel de cães comigo; ele diz que tudo bem, desde que não seja mais lá em casa, porque tem saudade do tempo em que o sofá era só dele. Eles ficam falando essas coisas e eu deixo meu pensamento flutuar pela esperança de perderemos juntas, eu e Lala, o peso excessivo, porque esta, sim, encara caminhadas vigorosas de duas horas ao contrário do Pug sem o nariz funcional, o que tanto lhe prejudica o desempenho esportivo. Agora eu já sonho em treinar um cão pra correr a meia maratona comigo.
Talvez eu seja DDA. Ou talvez eu deva trocar de cabeleireiro, ou comprar uma mala nova. No mundo ideal, eu seria a Lala.
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Dedico este post à leitora Cristina Mattos, que sabe muito bem que não se pode negar cama a um cão carente.
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