Estranha no ninho
Tinha tanto tempo que eu não entrava no blogger pra postar que cheguei a esquecer de alguns detalhes fundamentais ao exercício pleno da blogotarefa, como a senha de acesso. Sorte que eu anoto tudo em um caderninho que me salva a vida quando os becapes não bastam. Cheguei a cogitar minha entrada definitiva no mundo digital e ter todas as minhas senhas compiladas num arquivo criptografado espalhado pelos 4 cantos do mundo, mas nada substitui a emoção de esquecer a senha de vez em quando. E agora que eu tenho um cachorro que come tudo, até caderninhos de senha, esta emoção é ainda mais tocante.
Mas não foi só a senha que eu perdi: perdi também a espontaneidade. Antes eu entrava aqui, escrevia e saía rapidinho, assim como quem vai à casa de banho, faz seu número um e dois, limpa as coisas, lava as mãos e sai de alma leve. Escrever não é mais tão fácil quanto já foi um dia, e prova disso foi minha incapacidade de concluir um reles parecer técnico sobre a inequívoca contraindicação de uma determinada vacina veterinária - cujo nome não posso citar sob a pena ter minha cabeça decepada por Forças Censoras do Mal - para uso em felinos. Era pra ser um texto simples, inteligível pelo mais débil mental dos veterinários ou burocratas (ou ambos, ou todas as anteriores, o que é muito comum quando se trata de aprovar o improvável), mas não saiu. Muito embora os textos simples sejam justamente os mais difíceis de redigir, prefiro dizer - em minha defesa- que não consegui escrever o tal parecer técnico porque me pesaram sobre as mãos, a ponto d'eu ver minhas falanges esmigalhadas sobre o teclado, os três grossos volumes de Oncologia de Pequenos Animais que eu usei como referência bibliográfica inicial para começar a redigir tal documento. Também poderia dizer que fui assolada pelo peso das centenas de cadáveres que esse bioterápico promete produzir nos meses vindouros, mas a verdade é que eu simplesmente perdi a verve, a intimidade com a palavra, a capacidade de produzir aforismos, a simplicidade para traduzir o que está na cara.
Sorte que eu ainda posso ser veterinária, redigir receitas, prescrever antipulgas e vermífugos, e, nas horas vagas, me deleitar com histórias de pessoas que gostam de animais, fingem que gostam de animais ou nem se dão ao trabalho de disfarçar o nojo que sentem de animais.
Eu tenho uma confissão a fazer: tenho nojo de quem não gosta de bicho. Antes eu até tolerava essa gentalha, assim como eu sempre fui capaz de passar ao lado de um balonê ou duma saruel e me controlar para não rasgar a peça com minhas unhas de animal primitivo; mas agora, que eu tenho o prazer diário de levar meu cão às ruas, preciso ter um nausedron sempre à mão para não vomitar em cima das pessoas incapazes de retribuir o sorriso do meu Bichon da Patagônia de pelo semi-arame. Se eu sinto isso por pessoas que podem simplesmente estar distraídas, imaginem o que eu não sinto por veterinários que banalizam a morte dos animais que eles teoricamente deveriam proteger.
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Quanto às Forças Censoras do Mal, espero que um dia elas passem por este quartinho e deixem um comentário assinado e com e-mail. Eu gosto de conhecer meus inimigos, de saber onde eles moram e onde eles comem, just in case.
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