Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, maio 19, 2006

Sotaque

Pena que não dá pra tirar foto do sotaque dos gaúchos, porque eu não me canso de imaginar o desenho de suaves marolas encaracoladas que nunca estouram na areia quando ouço seus bás e gurias misturados à segunda pessoa do singular dos pronomes, raramente dos verbos. Se eu tivesse a foto desse sotaque, eu jamais a tiraria de minha mesinha de cabeceira.

Morro de pena de não ter um sotaque, e estou plenamente convencida de que não tenho mesmo. Minha infância em Brasília na década de 70, época em que ninguém era de Brasília e sim de todo lugar - Minas, São Paulo e Rio, sobretudo - me deixou com o carioquês transfigurado, o que foi interessante pro aprendizado do inglês, que é melhor falado por quem não diz naturalmente djidjay (DJ) ou troca o S por X. No entanto, isso sempre me gerou uma certa crise de identidade, porque quando me perguntavam de onde eu era - e eu dizia que era do Rio -, sempre me diziam: "Não, sério, de onde você é?". Isto sem contar que eu sou uma esponja de sotaques alheios: se passo 5 minutos conversando com uma operadora de telemarketing de Curitiba - que lugar danado pra fazer operador de telemarketing, sô! -, e vocês sabem que telemarketing nunca dura menos que 5 minutos, a não ser que se bata o telefone na cara d'um ser humano que não tem culpa de ter esse emprego chato pra cacete, eu desligo o telefone falando curitibanês.

Na adolescência, minhas melhores amigas eram gaúchas - uma delas, a Wal, tinha uma crise de identidade enorme também com essa questão do sotaque porque, embora fosse loura, tivesse 180cm e falasse o gauchês herdado dos pais praticamente alemães, ela deu de nascer e morar em Salvador por 9 anos, e queria-porque-queria ser baiana só por causa disso! Esse convívio íntimo com bás, guris e ésses que nunca soavam como xis transfigurou ainda mais o meu carioquês, a ponto de um belo dia eu ter de pedir socorro a uma delas numa lanchonete: "Candice, me ajuda! Eu quero pedir um cheeseburguer, mas me esqueci como EU falo isso." Ao que ela respondeu: "Você tem que falar: me vê um xxxxizzzz". Ah, bom. Naquele dia, eu não passei por estrangeira em minha própria terra.

Outra coisa interessante é a mistureba de sotaques que eu faço falando inglês. Aprendi inglês britânico na Cultura Inglesa e morei na Inglaterra, mas passei temporadas nos EUA, de onde criei afeição por sitcoms novaiorquinos que eu acompanhei por anos. Meu inglês é, portanto, uma amálgama de sotaques, e eu acho uma delícia ver a cara de interrogação dos estrangeiros com quem eu gasto o verbo tentando descobrir de onde eu sou. Brasil é o último lugar que eles pensam, apesar da evidente morenice e uma cara-de-pau que só nós, brasucas, e os israelenses temos.

Aguardem meu gauchês: dentro de 2 dias, estarei escrevendo como uma verdadeira prenda.