Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

terça-feira, julho 11, 2006

Bicho solto

Foto surrupiada do Flickr desta pessoa, que muito me fez lembrar da aurora da minha vida.



A vinheta do Snoopy me deu muita saudade dum Beagle que morou com a minha família por cinco anos quando eu era criança, o Polaco. Éramos duma promiscania só, Polaco e eu. Ele tinha mania de fazer o que quisesse: não admitia ter sua liberdade limitada a um reles quintal, então tratou de aprender a pular o muro e fazer seu pipizinho em todos os postes de Miguel Pereira, de Paty a Portela, comendo em casa de gente pobre e assistindo TV em casa de gente rica, nos matando de vergonha quando o encontrávamos plantado nalgum sofá alheio, d'onde estranho algum o tirava, por mais que o sofá não fosse seu.

Ele tinha um sofá só pra chamar de seu na casa de Miguel Pereira, e era ali que todos os amigos do meu irmão dormiam quando chegavam bêbados demais da naite. Se tinha uma coisa que Polaco não suportava era gente bêbada no sofá dele, mas esquecia de tudo isso quando eu chegava em casa na sexta à noite e ele se mudava pra minha cama até o domingo de tardezinha. Às vezes ele não estava em casa quando eu chegava pro fim de semana. À chegada, eu largava as bolsas no jardim, corria pro quintal e me punha a gritar pros morros, pra estrada, pras casas dos vizinhos, pra dentro do meu coração aflito e louco de saudades: Polaco, Polaco, Polaco! Não dava dois minutos e despontava ao longe uma pontinha branca de rabo quebrado levantando poeira na escuridão; e quando ele corria era tão bonito de se ver, que ele contraía o cantinho dos lábios como que sorrindo, e as orelhas batiam umas nas outras como palmas em câmera lenta.

Do Polaco, só tenho boas recordações, tantas e tão boas que eu raramente visito esse diretório, que é pra não aumentar o nível dos rios e mares com minhas lágrimas de saudades, uma saudade que só faz aumentar com o tempo, nunca vi coisa igual. O cachorro que me ensinou que o amor é bicho que não sobrevive preso no quintal, a despeito do meu respeito quase fanático por ele, tinha dois graves defeitos:
1) Rolava em cima de bosta de boi, tendo predileção pelas secas, mas é bem verdade que errava às vezes o julgamento da secura e ficava todo tingido de verde-cocô, me obrigando a enfiá-lo na banheira em plena madrugada invernal, que era dureza dormir com um cara fedendo a entranhas de ruminante;
2) Não olhava pros lados antes de atravessar a rua.

E numa triste sexta-feira, eu cheguei a Miguel Pereira e gritei aos sete ventos: Polaco, Polaco, Polaco! Mas meu Polaquinho, meu bicho solto, nunca mais voltou pra casa. E eu acho que resolvi fazer veterinária só pela microscópica chance de reencontrá-lo na vida, na ativa, tratando dum tumor venéreo ou duma orelha rasgada em briga, e pendurando a despesa na conta da Poodle do vizinho.