Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Eros is in the air.

De todos os mitos gregos, o que mais me encanta é o de Eros (o Amor e o Desejo) e Psiquê (a Alma). A idéia incrível desse encontro entre Amor e Alma encerra, pra mim, toda a essência da vida: o amor só é pleno quando ele penetra (com duplo sentido, por favor) a alma do ser amado. E é em torno desse encontro -- o do amor com a alma -- tão raro entre os homens e tão banalizado pelas mulheres, que não entenderam o que o poeta quis dizer (e contra ele se revoltaram), que a Terra gira.

Dizem, e dizem só por dizer, que é o dinheiro que faz o mundo girar. Mas não é, não. É o sexo. Tudo no mundo está a serviço do sexo: o poder, o dinheiro, carrões e os padrões estéticos inatingíveis. Tudo simboliza o falo ideal, o instrumento mítico da penetração do Amor na Alma. A chave-mestra da felicidade. É até possível viabilizar essa união mítica de outras formas, mas nós ainda somos primitivos demais pra pensar nisso. A Humanidade ainda não se libertou da clausura do próprio corpo material.

Quem foi que ensinou pra gente que sexo é feio e sujo? Quem foi que convencionou que só vale um mais um, e que nada é permitido fora do irritante limite das quatro paredes? Quem determinou que homens têm que sentir atração por mulheres e vice-versa? Quem disse que o homossexualismo é errado? Quem foi o idiota que classificou o homossexualismo como um transtorno mental no Código Internacional de Doenças (CID)? Pra que nos teriam criado com cinco, às vezes seis sentidos, se não fosse pra gente enxergar, cheirar, tocar, ouvir e, sendo tudo muito agradável até aí, querer sentir o gosto do outro? E se o outro for mulher? E se o outro for homem?

Uma vez eu perguntei a um casal de meninas, com quem tenho abertura pra todo tipo de conversa, como era o sexo entre elas. Curiosidade típica de heterossexual. Uma delas, chocada com minha pergunta tão direta (que deve ter sido algo como "E aí, como é a trepada de vocês?"), buscou o olhar da outra em socorro, segurou sua mão e disse: "Trepada? Nunca encarei nosso sexo como uma trepada, e sim como uma troca de carícias. Não é, bebê?". E então elas se beijaram como se estivessem se reencontrando depois de muito tempo. O mundo parou para ver a cumplicidade que existia naquele beijo, e meus olhos se encheram de água e ternura. Eu estava diante de um raro caso de encontro do amor com a alma.

Passei a pensar em mim como uma heterossexual oportunista porque, assim como os cães passaram de carnívoros preferenciais a onívoros oportunistas graças à mistura maluca de sobras de alimentos ofertada por seu melhor amigo, o homem, eu talvez possa passar de heterossexual a homo. Ou bi. Ou pan. Graças à oferta massiva (e cansativa) de homens malucos e inviáveis que sobraram no saldão dessa concorridíssima indústria casamenteira.

Sei lá onde eu vou encontrar a oportunidade de vivenciar esse idealizado encontro do Amor com a Alma! E eu também não quero ser rotulada de coisa alguma. Quero ser livre pra ser o que bem entender. E quero que meus filhos nasçam num mundo onde os gays não sejam espancados e hostilizados por homofóbicos apavorados com seus próprios desejos reprimidos; onde namoradas não sejam apedrejadas na frente da escola; e onde todos vejam, com essa mesma clareza, que o sexo só é pecado quando dissociado do espírito.

Feio e cruel é transar sem desejo ou sem o consentimento do outro. Sujo, mau e pervertido é o preconceito. E tudo mais que se fala sobre amor e sexo, prosa e poesia, é uma tentativa vã de simplificar todo o lirismo e todo o delírio que envolve o maior mistério da vida. Esse mistério que vale cada segundo de nossa passagem por este mundo.