Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Mal não vai fazer...

Neste final de semana, eu volto às aulas, e não é só pra ter uma carteirinha de estudante legalize: volto à pós-gradução para finalmente terminar a monografia do curso de especialização em Homeopatia Veterinária que eu nunca entreguei porque troquei de mal com Samuel Hahnemann.

Experiência própria, eu sei que eu tenho que agarrar com unhas e dentes esse meu amor pela homeopatia, que é instável e sazonal. Já tive tanta fé no pobre do Hahnemann que dava prejuízo a farmácia homeopática: eu sentia a cura só de passar na frente da loja! Ah, sim, que seguidor (do véi Samuca) que é seguidor sabe que o consumo da droga (homeopática) é opcional, o grande lance é dar uma cheirada forte no frasco aberto e sentir a energia vital trepidando em harmonia. Engraçado, mas acho que a maioria das pessoas entra na homeopatia atrás de uma promessa milagrosa como a oferecida pelos chás misteriosos que supostamente põem o doidão frente a frente com Deus. Ninguém entende como funciona, mas o que importa pra maioria é a magia e o mistério. E depois, se não funcionar, tudo bem. A promessa traz implícita a idéia equivocada de que mal não vai fazer.

Mal não vai fazer é o caraças! A homeopatia quase me matou, e não foi à toa que eu perdi o interesse por ela por tanto tempo.

Tudo aconteceu numa viagem que fiz com minha fiel escudeira, Vivi, quando estávamos na faculdade. A gente se inscreveu num desses programas de índio que só um estudante raçudo encara: entrar à meia-noite num ônibus fretado pra chegar à terra da garoa toda remelenta, assistir 8-horas-sem-sair-de-cima de uma palestra sobre dermatologia de poodles e voltar, no mesmo ônibus e no mesmo dia, pro Rio. Pois nessa época, eu era asmática terminal, do tipo que estava bem viva num momento e bem roxa e semi-morta n'outro. A homeopatia tinha acabado de entrar em minha vida, mas entrou num contexto propício a transformá-la mais em seita que em alternativa terapêutica. Confesso que eu ainda estava muito influenciada pelo meu ex-namorado, o Beto, pela agricultura orgânica, pelo poder de cura do arroz integral e aquele papo brabo de cristais e os cinco elementos. Enfim, pô: eu estudava na Rural e meu apelido era Flora Própolis, não preciso falar mais nada, caso encerrado por excesso de provas! Quando eu comecei a ver do que a homeopatia era capaz, entrei numa de que iria me desintoxicar da alopatia a qualquer preço. Encarei a expurgação de tantos anos de bombinha, pomada e corticóide como uma expiação justíssima de pecados, e por mais que eu estivesse morrendo, não entrava no Meticorten, corticóide mal-encarado mas que me salvou incontáveis vezes, nem por um decreto. Entrei no ônibus atracada com um frasco de Arsenicum album numa mão e uma bombinha de broncodilator em outra: o broncodilatador era só pra me acalmar, que Hahnemann era meu pastor, e nada haveria de me faltar.

Mas faltou. Faltou ar, e ó: faltou muitão, foi pouco, não! Passei 3 horas sibilando tão alto, mas tão alto, que o ônibus inteiro vinha me ver com a cara amassada: ih, essa menina não dormiu ainda? Não morreu ainda? Pô, que saco, a gente ainda tá em Resende e eu quero dormir! Minha fiel escudeira me defendia como podia, mas teve uma hora que ela também dormiu. E eu, porque finalmente não tinha ninguém me encarando com a expectativa de me ver morta, também consegui relaxar e dormir em seguida. Mas a galera não sabia que eu durmo de olho aberto em CNTP. Ou seja: não preciso morrer pra mostrar o branco dos olhos pelas pestanas mal fechadas. E quando a Vivi me viu daquele jeito, de boca e olho aberto, fria como pedra a seu lado, berrou como a garotinha do E.T. quando eles se encontram pela primeira vez no quarda-roupas. E com os gritos dela, eu, todo o ônibus e minha asma acordamos. Faltavam 3 horas pra chegar a São Paulo e tudo o que eu mais queria da minha vida era uma UTI móvel, sobretudo porque descobri que a bombinha de efeito moral estava vazia. Até chegar em terra firme, tudo que usei pra acalmar meu mal asmático foi o diabo do Arsenicum album, de minuto em minuto, às vezes até de segundo em segundo. Acho que só não morri porque o santo do Hahnemann é forte e o protegeu de me encarar assim, tão furiosa por morrer na flor da idade, no inferno. Tivesse eu morrido, ia passar a Eternidade descendo o Krav-magá naquele puto e nos meus professores de homeopatia.

Quando chegamos ao estacionamento do pavilhão de exposições em Sampa, fui carregada pro posto médico, onde sofri ressuscitação cárdio-respiratória com direito a hidrocortisona e aminofilina na veia. Ai, que delícia poder respirar de novo, viva a alopatia!

Passei uns anos de mal (asmático!) com a homeopatia. Fiquei tão magoada que reescrevi toda a matéria médica, explicando como a homeopatia pode matar sem deixar pista. Adorava minha homeopata enquanto astróloga, e aos poucos fui abandonando a prática e o consumo das bolinhas de lactose. Até que o Fran, meu novo guru, restaurou minha fé no love-power, nos florais de Bach (ah, como Bach é bom!), na energia vital e até no Leblon. Quando dei por mim, já estava trocando comprimidos por bolinhas e, o que é melhor, exterminei uma sinusite sinistra, com tomografia e o caralho (que pra provar que é sinistra, o médico tem de ter mais de 12 anos e pedir exames complementares), sem nem segurar uma caixa de antibiótico.

Depois da invenção do genérico e das farmácias populares, imagina se essa moda de se curar só pegando no frasco cola? Vai ser o fim da Bayer! E se é Bayer, bem... mal não vai fazer. Pelo menos à indústria nacional.