Contos Claustrofóbicos para a Hanna
Dia desses, lendo os comentários num post sobre maconha que veio parar aqui neste blog (e eu não sei como), me deparo com essa coisa gracinha escrita pela minha irmã caçula geral, a Hanna:
Diante de um pedido tão fofolete desses, só me resta sair escrevendo. Segue aqui o primeiro.
Difícil definir o que era aquilo. Parecia uma convenção ou uma reunião de condomínio, mas os participantes eram órgãos - alguns mais vitais que outros - de um mentecapto acelerado que andava abusando do álcool y otras cositas nada legais. Os órgãos, revoltados, queriam escapar daquela condenação a qual estavam confinados; alguns tinham a esperança de ir parar num banco de transplantes, outros queriam discutir idéias pra resolver tudo ali dentro mesmo, sem sacrificar, importar ou exportar coisa alguma. O cérebro, claro, presidia a agitada assembléia e tinha toda hora de bater com o martelinho na mesa (coisa que dá uma dor de cabeça aguda, assim, bem aqui no alto da têmpora esquerda) para pedir silêncio aos excelentíssimos senhores órgãos revoltados.
- Eu quero sair daqui!, gritava o Fígado. Tanta gente precisando de fígado, e eu aqui preso neste corpo mal preservado em álcool. Olha aqui meus hepatócitos como estão histéricos e pré-cirróticos! Daqui a pouco eu não sirvo nem pra foie gras!
- Seu pedido não faz sentido, Fígado, porque se está ruim contigo, imagina sentigo. O máximo que eu posso te dar é uma licença de 2 minutos pra visitar o hemisfério esquerdo, mas ó: tem que voltar pelo mesmo caminho, senão o nó nas tripas poderá ser fatal.
- Mas eu preciso respirar!!! Preciso de ar puro, preciso de oxigênio! Estou ficando preto da vida com toda a fumaça tóxica que esse maluco faz circular pelo meu fino trato.
Era fácil identificar o Pulmão falando porque ele tossia muito. Dava até pena do bichinho! Um pulmão normal, se você parar pra pensar, já é feio; aquele, então, todo bichadinho, pintado e murcho, parecia um filhote de cruz-credo. O Cérebro, que não é dessas coisas de sentimento (ele deixava essas viadagens pro coração), se apiedou:
- OK, Pulmão, vamos combinar o seguinte: eu te deixo dar uma volta lá fora, mas sob a seguinte condição: vai só o pulmão esquerdo, e só porque ele está com...
- Gripe!, se adiantou o Coração, fuzilando o Cérebro com o olhar. O síndico realmente não tinha um traço de tato, e qualquer neurônio desmielinizado sabe que más notícias têm de vir aos poucos. Aquele não era o momento de se revelar pra galera a presença da massa neoplásica altamente indiferenciada no pulmão esquerdo. Afinal, a maioria estava naquela reunião em busca de soluções para viver melhor, e os órgãos não podiam ser derrotados pelo medo da metástase.
- Sim, só vai o esquerdo, que está gripado (o Cérebro captava as coisas rapidamente), aí ele vai, pá, dá umas voltas, se anima e retorna com a imunidade reforçada.
O Rim, que era muito baixinho, ficou tão inflamado de raiva que não teve jeito de ignorá-lo. Tudo naquele corpo começou a doer, era uma dor louca (pior que dor de parto) que fazia o sangue ferver. O Cérebro, então, deixou o Rim falar na frente do Grosso e da Bexiga, que estava super apertada. O Rim alegava que também trabalhava em dupla e que sempre foi mais eficiente que o Pulmão na compensação da falta do colega, então logicamente (palavra que o Cérebro adorava), quem deveria obter a licença pra sair daquele confinamento forçado era ele. Hum. Aí ficou difícil decidir. Rim tinha razão: talvez um corpo humano se vire melhor só com um dos rins que sem um lado do pulmão. Por outro lado, ele podia ser malandro, deixar o pulmão esquerdo sair e depois o impedir de voltar com seu tumor maligno, o que poderia dar esperança e uma sobrevida maior pros outros órgãos; contudo, deixar o pobrezinho do lado de fora assim, tossindo, implorando pra voltar e morrendo à míngua não era nada bonito. E o Rim lá, chato pacas, insistindo pra sair. E o dono do corpo lá, burro pacas, tomando uma substância entorpecente qualquer que começou a chapar o Cérebro.
Todos foram se aquietando... o Fígado ficou totalmente concentrado... os órgãos começaram a adormecer empilhadinhos, uns por cima dos outros e o Coração sentiu pena, mas a reunião se encerrou por motivos de força maior.
van, eu estou fazendo teatro na CAL, comecei esse ano, tá tudo maravilhoso!
a peça de julho vai ser em relação à claustrofobia, ou seja, o fato principal da peça ocorrerá em um local não necessariamente fechado, porém pequeno. a minha turma tem uma comuna no orkut e a prof pede pra escrever textos lá.
porque a partir destes textos teremos alguma idéia para a peça. pode ser pequeno mesmo;
sempre que eu ligo para aí cai na secretária eletrônica.
eu estou sem criatividade e minha sister escreve bem pra caramba!
help me, please!
eu estava desesperada até minha papai me lembrar que vc escreve peças.
vc vem jantar aqui um dia desses né?
te amo, saudades, vem logo!
Diante de um pedido tão fofolete desses, só me resta sair escrevendo. Segue aqui o primeiro.
O CORPO HUMANO
(com licença poética aos anatomo-fisiologistas de plantão)
(com licença poética aos anatomo-fisiologistas de plantão)
Difícil definir o que era aquilo. Parecia uma convenção ou uma reunião de condomínio, mas os participantes eram órgãos - alguns mais vitais que outros - de um mentecapto acelerado que andava abusando do álcool y otras cositas nada legais. Os órgãos, revoltados, queriam escapar daquela condenação a qual estavam confinados; alguns tinham a esperança de ir parar num banco de transplantes, outros queriam discutir idéias pra resolver tudo ali dentro mesmo, sem sacrificar, importar ou exportar coisa alguma. O cérebro, claro, presidia a agitada assembléia e tinha toda hora de bater com o martelinho na mesa (coisa que dá uma dor de cabeça aguda, assim, bem aqui no alto da têmpora esquerda) para pedir silêncio aos excelentíssimos senhores órgãos revoltados.
- Eu quero sair daqui!, gritava o Fígado. Tanta gente precisando de fígado, e eu aqui preso neste corpo mal preservado em álcool. Olha aqui meus hepatócitos como estão histéricos e pré-cirróticos! Daqui a pouco eu não sirvo nem pra foie gras!
- Seu pedido não faz sentido, Fígado, porque se está ruim contigo, imagina sentigo. O máximo que eu posso te dar é uma licença de 2 minutos pra visitar o hemisfério esquerdo, mas ó: tem que voltar pelo mesmo caminho, senão o nó nas tripas poderá ser fatal.
- Mas eu preciso respirar!!! Preciso de ar puro, preciso de oxigênio! Estou ficando preto da vida com toda a fumaça tóxica que esse maluco faz circular pelo meu fino trato.
Era fácil identificar o Pulmão falando porque ele tossia muito. Dava até pena do bichinho! Um pulmão normal, se você parar pra pensar, já é feio; aquele, então, todo bichadinho, pintado e murcho, parecia um filhote de cruz-credo. O Cérebro, que não é dessas coisas de sentimento (ele deixava essas viadagens pro coração), se apiedou:
- OK, Pulmão, vamos combinar o seguinte: eu te deixo dar uma volta lá fora, mas sob a seguinte condição: vai só o pulmão esquerdo, e só porque ele está com...
- Gripe!, se adiantou o Coração, fuzilando o Cérebro com o olhar. O síndico realmente não tinha um traço de tato, e qualquer neurônio desmielinizado sabe que más notícias têm de vir aos poucos. Aquele não era o momento de se revelar pra galera a presença da massa neoplásica altamente indiferenciada no pulmão esquerdo. Afinal, a maioria estava naquela reunião em busca de soluções para viver melhor, e os órgãos não podiam ser derrotados pelo medo da metástase.
- Sim, só vai o esquerdo, que está gripado (o Cérebro captava as coisas rapidamente), aí ele vai, pá, dá umas voltas, se anima e retorna com a imunidade reforçada.
O Rim, que era muito baixinho, ficou tão inflamado de raiva que não teve jeito de ignorá-lo. Tudo naquele corpo começou a doer, era uma dor louca (pior que dor de parto) que fazia o sangue ferver. O Cérebro, então, deixou o Rim falar na frente do Grosso e da Bexiga, que estava super apertada. O Rim alegava que também trabalhava em dupla e que sempre foi mais eficiente que o Pulmão na compensação da falta do colega, então logicamente (palavra que o Cérebro adorava), quem deveria obter a licença pra sair daquele confinamento forçado era ele. Hum. Aí ficou difícil decidir. Rim tinha razão: talvez um corpo humano se vire melhor só com um dos rins que sem um lado do pulmão. Por outro lado, ele podia ser malandro, deixar o pulmão esquerdo sair e depois o impedir de voltar com seu tumor maligno, o que poderia dar esperança e uma sobrevida maior pros outros órgãos; contudo, deixar o pobrezinho do lado de fora assim, tossindo, implorando pra voltar e morrendo à míngua não era nada bonito. E o Rim lá, chato pacas, insistindo pra sair. E o dono do corpo lá, burro pacas, tomando uma substância entorpecente qualquer que começou a chapar o Cérebro.
Todos foram se aquietando... o Fígado ficou totalmente concentrado... os órgãos começaram a adormecer empilhadinhos, uns por cima dos outros e o Coração sentiu pena, mas a reunião se encerrou por motivos de força maior.
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