Cenas de menina.
Algumas imagens, eu só tenho na memória. Hoje, conversando com minha mãe, de preguiça na cama de manhã, lembrei de algumas cenas.
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Eu, 5 anos, de cócoras no sítio do Nestor, brincando com os filhotinhos de gato. Cabelos desgrenhadinhos, fundilhos tingidos de um misto de lama e pingos escapados de xixi, que eu não queria parar de brincar pra me livrar do volume. Minha mãe achando tudo tudo lindo. Ela era do tipo que enfiava criança no chuveiro de roupa e tudo, e algumas roupas ela nem se dava ao trabalho de lavar: jogava no lixo direto.
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Zoológico do Rio, 1979. Minha irmã caçula fez um xixi enorme na calça, não dava pra disfarçar com um casaquinho na cintura porque o sapato fazia shuock-shuock quando ela caminhava. Minha mãe, básica, com a ajuda de minha tia Neila então adolescente, tirou a roupa da minha irmã diante da primeira torneira disponível - um bebedouro camuflado ao lado do recinto dos muares - deu uma enxaguada na calcinha e pendurou na grade do recinto enquanto secava minha irmã com a própria camiseta e o que mais houvesse disponível. Eu e meus irmãos, nesse interim, assistíamos estupefatos o jumento cheirar e, em seguida, devorar a calcinha ainda semi salgada de xixi da Sam. Ele parecia tão feliz!
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Brasília, 24 de dezembro de 1978. Primeiro e único Natal que passei no Planalto Central. Um homem vendia um cachorrinho preto na minha quadra, dizendo se tratar de um "cão policial". Troquei o cachorro por 3 envelopes fechados de figurinhas do "Amar é", e saí correndo com medo do sujeito se arrepender do péssimo negócio (eu correndo numa direção, e ele na oposta, com medo d'eu devolver o vira-lata). Com medo de minha mãe recusar a entrada do cão na família, parti prum esquema independente: forrei a lixeira do andar com jornal e coloquei ali alguns objetos de decoração, como um porta-retrato com foto da gente e a caminha de veludo vermelho duma boneca, que era pro Bob não se incomodar tanto com o fato de viver numa lixeira. Enquanto minha mãe fazia a ceia, eu entrava e saía furtivamente da cozinha com pratinhos de leite, recheio de peru e rabanada, que Bob devorava feliz. Até que minha mãe seguiu a ladra e descobriu meu segredo: tivemos uma conversa bastante dramática, eu chorei e implorei pra ficar com o Bob, e ela não pôde dizer não num dia daqueles. Vivemos felizes para sempre até que Bob, uma mistura imprecisa de Scooby-Doo X Rintintin com apetite de leão, cresceu demais e começou a alcançar a panela de feijão e se servir sozinho, antes da gente. Foi parar no sítio do Nestor, que adorava cachorro e precisava dum cão policial.
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