Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, junho 30, 2006

Grupo de ajuda

Eram mulheres que amavam demais. Existe um grupo de ajuda pra isto. Por coincidência, estavam todas separadas naquele very momento, algo raro e inédito em se tratando de mulheres que amam demais, pois mulheres que amam demais estão sempre grudadas no very saco de alguém. Talvez o grupo de ajuda estivesse produzindo bons resultados.
 
- Eu perdi minha família!, disse a mais exaltada.
- Mas seus filhos já são todos adultos e casados, sua família continua aí e até maior que antes, retrucou a mais moderada.
- Pior foi comigo, que perdi meu sonho de ter uma família com o homem que eu amava, perdi meu futuro!, disse a mais melodramática.
Pra não dizer que foi completamente ignorada pelo grupo, a mais aborrecida rosnou entre os dentes:
- Ora, não sei porquê. Você continua aí, viva, jovem e bela. Daqui a pouco, arruma outro pato e pode voltar a fazer seu enxoval.
- Isso não é nada: eu perdi meu passado, minha história, todas as minhas referências. Perdi o chão sobre o qual pisava.
Todas olharam pra ela: estava velha e murcha, ressecada por causa das lágrimas vertidas sem cessar nos últimos meses. Tinha os olhos opacos, como que tampados por um véu que quase não escondia o brilho que um dia tiveram. Nenhuma delas teve coragem de minimizar o peso da perda do passado. Perder o passado é como atear fogo em museu, roubar fotos do arquivo público, derrubar os budas gigantes milenares do Afeganistão. Perder o passado deixa uma pessoa oca por dentro. Mesmo assim, a mais otimista ponderou:
- Mas não ficou nada, nem uma lembrancinha de cabeceira? Um trapinho de história pra você transformar em pantufa e sair por aí, criando novos caminhos?
- Não... só ficou uma profunda vontade de deixar de existir, de nunca ter existido.
 
E todas pensaram, lá com seus botões: amar demais é uma merda mesmo.
 
***
 
Todos os contos publicados neste blog são ficcionais. Qualquer semelhança com a realidade é mera infelicidade.