Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, julho 30, 2006

Corrupção é câncer

Quem está acompanhando a CPI dos sanguessugas deve estar, como eu, estarrecido com a frieza para fazer o mal e a falta de caráter dessa gentalha. Eu nunca vou me acostumar com isso, eu sempre vou ter vontade de cuspir na cara de um corrupto o excesso de saliva que mina de minha náusea ante a podridão humana.

Quem está acompanhando a CPI dos sanguessugas sabe, como eu, que a corrupção é um câncer em diversos estágios de diferenciação. Os mais benignos são, na taxonomia dos sanguessugas, pessoas comuns que dão dez reais pro filho não contar pra mamãe uma coisa errada que o papai fez; ou aqueles que oferecem uma cerveja pro guarda os liberarem da multa só dessa vez. Esses seriam os corruptos inocentes, se houvesse qualquer inocência na corrupção. Mas não há. Câncer é câncer, e mesmo quando não mata de cara, ele pode voltar: pior e em outros pontos. Depois, há os corruptos mensalistas, que recebem seus duzentinhos regularmente do contribuinte pra não lhe causar problemas. Depois, vêm os sanguessugas mais sofisticados: aqueles que fazem acordos para vencer licitações superfaturadas, aqueles que tiram o dinheiro da Saúde e da Educação de centenas de milhões para comprar a trigésima mansão de três, no nome de um laranja qualquer.

Se crimes do colarinho branco se tornassem hediondos e inafiançáveis; se nossa justiça não estivesse corroída desse câncer até o pescoço; se um corrupto preso não pudesse cumprir prisão domiciliar em virtude dos problemas de saúde que todos esses putos têm assim que vêem o sol nascer quadrado, talvez nos restasse alguma esperança. Como diria Martin Luther King, sonhei!

Outro dia, lembrei-me do Gil e seu promissor discurso de posse à frente do Ministério da Cultura. Dizia ele que corrupção era um problema cultural, e que seu Ministério se movimentaria para driblar o mal. Infelizmente, lá se vão quase quatro anos e nenhuma campanha do MinC foi lançada nesse sentido. Começo a achar que corrupção é coisa tão grave e distante da alçada do comprometidíssimo poder público, que só se pode combatê-la através da guerrilha urbana. A sociedade deveria se organizar em células combativas para hostilizar, na fila do supermercado, na saída da escola e na entrada de eventos sociais os corruptos expostos pela imprensa, seus familiares e amigos. Com o Orkut, ficou fácil saber onde uma pessoa estará e em que dia, onde estudam seus filhos, em que academia malha e as lojas em que faz compras. Se cada célula de dez pessoas se encarregasse de horrorizar um corrupto e seu círculo social, tenho certeza de que muita gente desistiria de superfaturar em cima do povo. É uma proposta de terrorismo psicológico da qual não me orgulho, mas está ao nosso alcance e, desconfio, traria ao menos alguma repercussão e aumentaria o debate sobre o núcleo de todos os problemas de nosso país.


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Um amigo meu, professor escolar, contou-me que um de seus alunos adolescentes vivia se gabando da riqueza ilícita de seu pai, um político corrupto descarado que, segundo o moleque, trabalhava pouco e ganhava mais que todo mundo. Foi na época em que pegaram o Silveirinha. Meu amigo chegou na sala de aula e depositou sobre a carteira do moleque o jornal do dia, que trazia na primeira página a notícia de que os filhos do Silveirinha apelavam na justiça pela mudança de sobrenome: não queriam mais ser associados à figura corrupta do pai. A aula transcorreu normalmente e o garoto, mais quieto que o normal à medida que lia a matéria, foi o único a ficar na sala com o professor quando tocou o sino pro recreio. Meu amigo perguntou: "O que você achou disso?". Silêncio. "O grande barato é você ter suas coisas por mérito próprio. Nada se compara à satisfação de fazer a coisa certa, deitar a cabeça leve no travesseiro e dormir tranqüilo, sabendo que não tirou comida da boca de nenhuma criança." O garoto apenas balançou a cabeça enquanto olhava pros pés, que calçavam tênis mais caros que o aluguel do apartamento de seu professor. Por um momento, meu amigo teve a esperança de salvar uma alma da perdição, mas o menino logo se levantou e, desafiador, disse: "Antes tirar comida da boca de outra criança do que da minha!". E saiu pro seu caminho sem volta, o caminho do câncer de caráter.