Corrupção é câncer
Quem está acompanhando a CPI dos sanguessugas deve estar, como eu, estarrecido com a frieza para fazer o mal e a falta de caráter dessa gentalha. Eu nunca vou me acostumar com isso, eu sempre vou ter vontade de cuspir na cara de um corrupto o excesso de saliva que mina de minha náusea ante a podridão humana.
Quem está acompanhando a CPI dos sanguessugas sabe, como eu, que a corrupção é um câncer em diversos estágios de diferenciação. Os mais benignos são, na taxonomia dos sanguessugas, pessoas comuns que dão dez reais pro filho não contar pra mamãe uma coisa errada que o papai fez; ou aqueles que oferecem uma cerveja pro guarda os liberarem da multa só dessa vez. Esses seriam os corruptos inocentes, se houvesse qualquer inocência na corrupção. Mas não há. Câncer é câncer, e mesmo quando não mata de cara, ele pode voltar: pior e em outros pontos. Depois, há os corruptos mensalistas, que recebem seus duzentinhos regularmente do contribuinte pra não lhe causar problemas. Depois, vêm os sanguessugas mais sofisticados: aqueles que fazem acordos para vencer licitações superfaturadas, aqueles que tiram o dinheiro da Saúde e da Educação de centenas de milhões para comprar a trigésima mansão de três, no nome de um laranja qualquer.
Se crimes do colarinho branco se tornassem hediondos e inafiançáveis; se nossa justiça não estivesse corroída desse câncer até o pescoço; se um corrupto preso não pudesse cumprir prisão domiciliar em virtude dos problemas de saúde que todos esses putos têm assim que vêem o sol nascer quadrado, talvez nos restasse alguma esperança. Como diria Martin Luther King, sonhei!
Outro dia, lembrei-me do Gil e seu promissor discurso de posse à frente do Ministério da Cultura. Dizia ele que corrupção era um problema cultural, e que seu Ministério se movimentaria para driblar o mal. Infelizmente, lá se vão quase quatro anos e nenhuma campanha do MinC foi lançada nesse sentido. Começo a achar que corrupção é coisa tão grave e distante da alçada do comprometidíssimo poder público, que só se pode combatê-la através da guerrilha urbana. A sociedade deveria se organizar em células combativas para hostilizar, na fila do supermercado, na saída da escola e na entrada de eventos sociais os corruptos expostos pela imprensa, seus familiares e amigos. Com o Orkut, ficou fácil saber onde uma pessoa estará e em que dia, onde estudam seus filhos, em que academia malha e as lojas em que faz compras. Se cada célula de dez pessoas se encarregasse de horrorizar um corrupto e seu círculo social, tenho certeza de que muita gente desistiria de superfaturar em cima do povo. É uma proposta de terrorismo psicológico da qual não me orgulho, mas está ao nosso alcance e, desconfio, traria ao menos alguma repercussão e aumentaria o debate sobre o núcleo de todos os problemas de nosso país.
Quem está acompanhando a CPI dos sanguessugas sabe, como eu, que a corrupção é um câncer em diversos estágios de diferenciação. Os mais benignos são, na taxonomia dos sanguessugas, pessoas comuns que dão dez reais pro filho não contar pra mamãe uma coisa errada que o papai fez; ou aqueles que oferecem uma cerveja pro guarda os liberarem da multa só dessa vez. Esses seriam os corruptos inocentes, se houvesse qualquer inocência na corrupção. Mas não há. Câncer é câncer, e mesmo quando não mata de cara, ele pode voltar: pior e em outros pontos. Depois, há os corruptos mensalistas, que recebem seus duzentinhos regularmente do contribuinte pra não lhe causar problemas. Depois, vêm os sanguessugas mais sofisticados: aqueles que fazem acordos para vencer licitações superfaturadas, aqueles que tiram o dinheiro da Saúde e da Educação de centenas de milhões para comprar a trigésima mansão de três, no nome de um laranja qualquer.
Se crimes do colarinho branco se tornassem hediondos e inafiançáveis; se nossa justiça não estivesse corroída desse câncer até o pescoço; se um corrupto preso não pudesse cumprir prisão domiciliar em virtude dos problemas de saúde que todos esses putos têm assim que vêem o sol nascer quadrado, talvez nos restasse alguma esperança. Como diria Martin Luther King, sonhei!
Outro dia, lembrei-me do Gil e seu promissor discurso de posse à frente do Ministério da Cultura. Dizia ele que corrupção era um problema cultural, e que seu Ministério se movimentaria para driblar o mal. Infelizmente, lá se vão quase quatro anos e nenhuma campanha do MinC foi lançada nesse sentido. Começo a achar que corrupção é coisa tão grave e distante da alçada do comprometidíssimo poder público, que só se pode combatê-la através da guerrilha urbana. A sociedade deveria se organizar em células combativas para hostilizar, na fila do supermercado, na saída da escola e na entrada de eventos sociais os corruptos expostos pela imprensa, seus familiares e amigos. Com o Orkut, ficou fácil saber onde uma pessoa estará e em que dia, onde estudam seus filhos, em que academia malha e as lojas em que faz compras. Se cada célula de dez pessoas se encarregasse de horrorizar um corrupto e seu círculo social, tenho certeza de que muita gente desistiria de superfaturar em cima do povo. É uma proposta de terrorismo psicológico da qual não me orgulho, mas está ao nosso alcance e, desconfio, traria ao menos alguma repercussão e aumentaria o debate sobre o núcleo de todos os problemas de nosso país.
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Um amigo meu, professor escolar, contou-me que um de seus alunos adolescentes vivia se gabando da riqueza ilícita de seu pai, um político corrupto descarado que, segundo o moleque, trabalhava pouco e ganhava mais que todo mundo. Foi na época em que pegaram o Silveirinha. Meu amigo chegou na sala de aula e depositou sobre a carteira do moleque o jornal do dia, que trazia na primeira página a notícia de que os filhos do Silveirinha apelavam na justiça pela mudança de sobrenome: não queriam mais ser associados à figura corrupta do pai. A aula transcorreu normalmente e o garoto, mais quieto que o normal à medida que lia a matéria, foi o único a ficar na sala com o professor quando tocou o sino pro recreio. Meu amigo perguntou: "O que você achou disso?". Silêncio. "O grande barato é você ter suas coisas por mérito próprio. Nada se compara à satisfação de fazer a coisa certa, deitar a cabeça leve no travesseiro e dormir tranqüilo, sabendo que não tirou comida da boca de nenhuma criança." O garoto apenas balançou a cabeça enquanto olhava pros pés, que calçavam tênis mais caros que o aluguel do apartamento de seu professor. Por um momento, meu amigo teve a esperança de salvar uma alma da perdição, mas o menino logo se levantou e, desafiador, disse: "Antes tirar comida da boca de outra criança do que da minha!". E saiu pro seu caminho sem volta, o caminho do câncer de caráter.
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