Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Não é só de Guimarães Rosa que vive o neologismo.

Bagaço humano: substantivo feminino de 34 anos; mulata clara
natural do Rio de Janeiro, com dois empregos e meio, meio fio de voz e tão
cansada de tanta guerra que teve de chutar o pau da barraca e vir passar o
carnaval em Salvador. Mesmo sabendo que carnaval em Salvador é pura guerra.



Resolvi ficar slooooow e só começar a pular carnaval na segunda. Até lá, vou curtir minha família. E trabalhar, porque frila tem mais é que se foder mesmo. Acreditem se quiser: hoje eu trabalhei em pleno carnaval de Salvador! É bem verdade que eu fiquei dez minutos dormindo sobre o teclado, fiz uma pequena pausa de duas horas para um sono reparador, fui acordada por meu sobrinho que pulava em minha cama na ponta dos pés pra tentar não acordar sua dindinha e, ainda em estado de sonolência pró-hipnótico, prometi (sob pressão) levá-lo ao parquinho num shoppinho que tem aqui, chamado Aeroclube. Então trabalhei por cerca de uma hora, tendo de brincar, a cada dez minutos, de "a vaca amarela/ pulou a janela,/ quem falar-fizer-barulho-bagunça-ou-atazanar-a-dindinha primeiro/ come toda a bosta dela" e fui ao tal do Aeroclube, onde -- surprise, surprise -- funciona a CENTRAL DO CARNAVAL DA BAHIA. Se o mundo fosse um furacão, o Aeroclube seria o olho naquele momento. Segurei na mão do meu sobrinho e falei: "Cara, me agarra aqui, que o bicho tá pegando."

Aqui cabe um parêntese: em caso de disfonia e em meio a cinquenta milhões de foliões alcoolizados, jamais usem uma gíria idiomática com uma criança de quatro anos, senão vocês terão de arrancar a voz do útero pra explicar, no caso de "o bicho tá pegando", que não precisa chorar, bebê, não tem bicho nenhum, é só um modo imbecil de dizer que... (e evitem a metalinguagem com outras gírias afins, como "a maré não está pra peixe", sobretudo se a criança tem fobia de peixe e já está chorando no seu colo).

Mil cambistas tentaram nos vender abadás de trios elétricos para crianças, um deles "comandado" (licença, vou vomitar; obrigada, já voltei!) pela ex-loira acéfala do Tchan, e a todos esses trabalhadores honestos do câmbio negro, eu ia dizendo, entre os dentes (embora bagaço humano sem voz, ainda carreio vestígios de uma belicosidade violenta derivada da pior tensão pré-trans-pós menstrual que já tive na vida): "Enfia esta merda no cu e rasga, querido".

***

Estou decidida a revolucionar o carnaval na Bahia por dois motivos:

1) O mais simples de todos: abadá de cu é rola; não dou metade do meu trabalho mensal escravo em troca de uma camiseta mal ajambrada nem a caralho!

2) Trouxe fantasias incríveis de Fred, Vilma, Barney, Betty, Pedrita e Bambam pra toda a família, mas ao chegar aqui, ouvi meu próprio irmão, sangue do meu sangue, meu sobrinho e minha cunhada dizerem que não vão usar essa merda nem fudendo, meu (exceto pelo educado do meu sobrinho, que não diz "meu", e sim "oxente!")! Eles tentaram me engambelar com uma historinha de que aqui, na Bahia, não se usa fantasia, só abadá mesmo, combinado com um micro-mini-tinny-winny short que mal cobre a virilha. Aí, mermão, eu botei as mãozinhas na cintura e rolou um sambalelê geral com a chapeize daqui: convoquei, invocada, todos a usarem nossas lindas fantasias durante todo o carnaval. (minha cunhada tá aqui rindo do meu lado, mas ela vai ser a primeira a amarrar o cabelo com um ossinho!)




Meu irmão alega que não é viado pra usar vestido, mas qualquer pessoa culta que teve infância sabe que a roupa do Fred é um tipo de bata clochard de pele de alguma coisa pré-histórica; e talvez pelo fato d'eu ter optado por comprar um tecido de oncinha na Turuna, ele achou que a bata era um vestido de viado mesmo, apesar da gravata jeans que minha mãe fez especificamente pra compôr o visual blue-collar-macho-man do Fred Flinstone. Está certo que talvez minha mãe tenha exagerado ao fazer uma bata de oncinha de um ombro só pro meu sobrinho, o que fez meu irmão me jurar de morte se eu ousar vestir o menino assim, mas criança e bicho a gente sempre conquista com comida e passeio; e eu vim pra cá com a bolsa repleta de balas de canela (que ele adora, como todo fantástico engolidor de coisas estranhas) e muita disposição pra brincar. Não especificamente carnaval, mas quem precisa brincar de outra coisa se, em casa, tem uma criança de quatro anos e uma pista de corrida Hot Wheels com um monstro do pântano horripilante, que tenta matar todos (e eu disse TODOS!) os carrinhos que não chegarem à linha de chegada em menos de um minuto.



Não quero fazer marketing, não ganho nada com isso, mas, bicho, numa boa: esse é meu brinquedo favorito! Mundo Feliz perde, e nem a Barbie Bailarina que eu ganhei só depois dos 34 pode competir com essa corrida maneiríssima no pântano, que fica ainda mais incrível se a gente põe tipo uns quinze carrinhos pra correr ao mesmo tempo. Um troço de louco!


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Em tempo: só vou revolucionar o carnaval na Bahia se a pista Hot Wheels quebrar de novo. Senão, não haverá tempo hábil pra que eu convença trezentos mil paulistas, 987 mir mineiros, cerca de 127 baianos e 2 israelenses (que encontraram euros no chão) a trocar seus abadás por fantasias comuns, costuradas por nossas mães. Como os seres humanos costumavam fazer na Idade da Pedra Lascada, antes da invenção do ingresso pra ver a banda passar tocando coisas de amor.