Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Pepitas

- Quanto você quer pra fugir de casa?, perguntou meu pai.
- Tipo assim, pra sempre? Ou podendo voltar de vez em quando pra lavar uma roupinha, fugir de intempéries ou fazer uma boquinha?
- Não, podendo voltar de vez em quando. Uma ou duas vezes por semana.
- Hum. Deixa eu ver... Uns 50 mil. Isso pra vir aqui umas duas vezes por semana, porque eu acho que vocês morreriam de tédio e saudades sem mim.
- Tá bem.
- Tá bem o quê? Negócio fechado? Posso fugir de casa?
- Não, pode ficar. Precisa fugir, mais não.

***

Eu tive até vergonha de visitar aquele apartamento em Ipanema, porque a proprietária me avisou, pelo telefone, que não era um apê vazio de temporada, e sim sua própria casa, sua casinha, com suas coisinhas, etc. Ela usou tanto diminutivo, que eu fiquei com peninha: o que leva uma pessoinha, com uma coberturinha duplex em Ipaneminha, a sair de sua casinha para a alugar a estranhos?

Entrei naquele território fazendo uma coisa que detesto, mas confesso que fiz: "Licença, desculpaê, foi mal, viu? Ó, desculpa estar invadindo assim, tá... ih... dá pra pisar aqui nesse tapete? Prefere que eu deixe meus sapatos na porta? Desculpa qualquer coisa aí, heim?" Enfim, fiquei constrangidíssima. A dona do apê, uma moça linda (podia ser modelo ou qualquer outra coisa que exija aquela plástica perfeita), me mostrou um apartamento com uma decoração, digamos, repleta. Repleta de quadros na parede (tinha até uma gravura do Picasso, aquela manjadíssima pomba de dois riscos, sendo um deles a assinatura, que ele deve ter feito em escala industrial num dia de tédio, porque eu conheço umas vinte pessoas -- só no Rio -- que têm essa merda), lembranças de viagem e retratos nas prateleiras, enfim: era uma casa cheia de referências pessoais. Imaginei-me ali, como inquilina estrangeira, me sentindo bem estranha ao invadir a casa vazia de alguém, sem saber se eu apenas entro ou se peço licença pras paredes e porta-retratos antes.

Certamente, era um apê lindo, com vista de 360 graus pras paisagens mais bonitas da cidade. Tinha tudo, da despensa e geladeira cheias à porta de cofre de banco com vinte travas eletrônicas e circuito interno de câmeras de monitoração, passando pelaTV de plasma, um computador fodástico com internet, TV a cabo com 350 canais, home theater, bicicleta ergométrica, duas suítes, etc, etc, etc. Era uma casa bem bacana, mas toda aquela personalidade tirava o clima de aluguel de temporada.

Durante a curta e angustiante visita-invasão, eu não pude deixar de notar os dois cachorrinhos que latiam pra mim, presos do lado de fora da varanda.
- Quando você aluga seu apartamento, como faz com suas coisas? Tira tudo daqui?
- Não, claro que não. Eu tranco alguns armários, deixo uma parte livre pros inquilinos e faço um inventário de tudo, que depois verifico.
- E os cães? Eles ficam?
- Claro que não!
- Entendo. Olha, de verdade: é tudo muito bonito, etc e tal, mas acho que sem os cachorros não serve. Se você aluga uma casa assim, de verdade, com porta-retrato e tudo, precisa alugar também os cachorros, ou pelo menos um filho. Senão o pacote fica incompleto, o inquilino vai sempre se sentir um invasor.

Ela ficou ofendida, imagino. Mas depois me ocorreu que ela poderia, futuramente, pra facilitar seu negócio, dizer que estava alugando também as plantas. Desta forma, um candidato a inquilino poderia se sentir mais útil e menos culpado por ocupar um espaço tão pessoal, afinal as pobres plantinhas sucumbiriam, sem água e carinho, na ausência forçada (pelas agruras da nossa economia) da proprietária.

***

Deve ser muito difícil ser corretor de imóveis. E eu achei que ser polícia era a pior coisa do mundo.