A origem da Princesa
Imagina se um dia os cães aprendem a ler e acessar a internet. E imagina se um dia a minha Princesa chega aqui e lê o último post, em que ela é reduzida a uma mera prima de origem desconhecida do Povo Brasileiro, este sim, um cara com origens profundas, digno da querela de humanos. Por mais estranho que possa parecer, escrevo este post correndo, antes de ir pro trabalho, só pra evitar que minha Radija fique magoada por eu falar mais do Povo do que dela, ou até imaginar que eu goste mais de um que de outro (rrrrubbish!). Há riscos que a gente simplesmente não pode correr.
O Povo era castrado. Em casa de veterinário que não cria uma determinada raça, todo peludo é castrado, porque se tem uma categoria de pessoas que só trepa com o próprio pau, esta é a dos veterinários. Até inseminação artificial a gente faz pra evitar a monta, somos terríveis e talvez profundamente perturbados. Ou não. Estou elucubrando, vou direto ao assunto.
A Radija nasceu em berço de ouro, por isso é uma Princesa. Minha avó tem um cachorro não castrado, e minha tia Wanda, sua vizinha, tinha uma única cadela não castrada. Na roça é assim, as pessoas acham crueldade "castrar o pobrezinho", mesmo quando o pobrezinho não é marido, vai entender. Um dia, meu primo Alexandre, adolescente rebelde na época, abriu o portão de uma casa e outra para promover a tarde de núpcias dos pais da Radija. O fígado dele foi devorado por isso, mas já que o resultado era inevitável (em família católica, aborto é tabu), minha tia começou a anunciar os filhotes da Lindinha antes mesmo de nascerem. Arrematamos uma fêmea, e marcamos no calendário o dia aproximado de sua chegada.
Quando a Radija nasceu, no dia do aniversário de minha mãe, uma coincidência linda, já tinha até enxoval esperando por ela. Mas eu, que sou hipocondríaca, aconselhei meus pais a não escolherem a prima do Povo logo de cara, pelo menos não antes do desmame. Isto, em veterinária, equivale à paranóia humana de não anunciar gravidez antes do terceiro mês: muita coisa pode acontecer ao filhote nessa fase, melhor não fazer muitas projeções. Passado o desmame, minha mãe logo se encantou com a filhote mais gorducha e peluda, com olhos pintados de cajal, e como era o ano da novela O Clone, que ELA ACOMPANHAVA (not my fault!), batizamos nossa pastora islandesa de Radija. Devia ser o nome da filha da protagonista, ou de um dos clones da protagonista, se é que a protagonista tinha clones. O importante é que a Radija tinha olhos de burka, portanto era árabe, apesar de islandesa, e, como árabe, seria a companhia ideal para o Povo, que, apesar de brasileiro, é galgo iraquiano. Estou tentando arrumar mentalmente a árvore genealógica internacionalmente complicada da minha nobre família peluda, perdoem-me pela confusão.
Agora eu vou resumir muito pra não ter o fígado devorado pela minha chefe: a Radija era um probleminha dos meus pais e do Povo, que, até sua entrada em nossa casa (mas não em nossas vidas), nem sonhava que teria de dividir seu território e vida boêmia com um filhote pentelho. Eu cheguei a ser contra, mas como era favorável ao escoamento solidário de filhotes não programados no seio de nossa família, relaxei. Minha princesa passou a ser meu probleminha quando:
1) O caseiro do sítio lhe fraturou 4 metacarpianos de uma só vez, com uma pisada "sem querer". Até que a gente achasse outro caseiro, porque sem querer de cu é rola, ela ficou no Rio sendo cuidada por mim. Aproveitei que ela me olhava muito e castrei. Comigo não tem papo.
2) Sumiu do sítio, depois de ter andado atrás de seu primo impaciente, e não conseguiu achar o caminho de volta - acho que já contei esse causo aqui. Pra evitar que ela tornasse a se perder pela estrada afora, meu pai construiu um campo de cãocentração gigante ao lado de nossa casa, em Miguel Pereira, e até que suas janelas caninas e canteiros de gramas tenras ficassem prontos, a filhota ficou morando comigo em Santa Teresa. No início, eu falei pra ela não me olhar daquele jeito que meu coração era impermeável a olhos pintados de cajal, mas ela começou a fazer tanta merda (se eu não fosse veterinária, diria que era pra chamar minha atenção), que eu tive de ter um particular com ela. Depois daquele sermão da montanha, combinamos que ela poderia dormir na cama comigo, mas só por uma noite, o que corresponde à mentira humana do "só a cabecinha".
3) Ela comeu o pobre jabuti do alemão Frank, que trabalhava na casa em que eu morava. O quelônio ficou internado por dois dias na clínica de um amigo, mas não resistiu aos graves ferimentos (se eu descrevesse, vocês vomitariam), e morreu. Acho que foi o labrador Toro, um atormentado mental que passava o dia na nossa creche canina, quem a ensinou que caçar pode ser uma coisa divertida, porque o dálmata Lúcio só caçava mangas e bolinhas, e olha lá. Eu sei que a Radija, então com 5 meses e já castrada, aprendeu rápido demais com o Toro, e junto com seu colega de caçada, causou um pequeno desastre ecológico em Santa Teresa, nas imediações de nosso quintal. Eu aprendi a acordar mais cedo que todos para esconder os cadáveres de gambás e ratos produzidos pela Radija (e talvez, mas muito dificilmente, pelo coitado do Lúcio, que tinha problemas esqueléticos graves demais pra isso). O episódio do jabuti tinha reduzido drasticamente sua popularidade na república em que moravámos, e eu não queria que ela fosse expulsa. É muito humilhante, até pra um canino, ser expulso de uma república por mau comportamento.
E aí, finalmente, depois de ter passado 5 meses debaixo de minha asa e na minha cama, o canino Radija sofreu para sempre um upgrade nominal, taxonômico e afetivo, e se tornou minha princesa, dona de uma metade exata do meu coração (caso o Povo esteja lendo este post).
O Povo era castrado. Em casa de veterinário que não cria uma determinada raça, todo peludo é castrado, porque se tem uma categoria de pessoas que só trepa com o próprio pau, esta é a dos veterinários. Até inseminação artificial a gente faz pra evitar a monta, somos terríveis e talvez profundamente perturbados. Ou não. Estou elucubrando, vou direto ao assunto.
A Radija nasceu em berço de ouro, por isso é uma Princesa. Minha avó tem um cachorro não castrado, e minha tia Wanda, sua vizinha, tinha uma única cadela não castrada. Na roça é assim, as pessoas acham crueldade "castrar o pobrezinho", mesmo quando o pobrezinho não é marido, vai entender. Um dia, meu primo Alexandre, adolescente rebelde na época, abriu o portão de uma casa e outra para promover a tarde de núpcias dos pais da Radija. O fígado dele foi devorado por isso, mas já que o resultado era inevitável (em família católica, aborto é tabu), minha tia começou a anunciar os filhotes da Lindinha antes mesmo de nascerem. Arrematamos uma fêmea, e marcamos no calendário o dia aproximado de sua chegada.
Quando a Radija nasceu, no dia do aniversário de minha mãe, uma coincidência linda, já tinha até enxoval esperando por ela. Mas eu, que sou hipocondríaca, aconselhei meus pais a não escolherem a prima do Povo logo de cara, pelo menos não antes do desmame. Isto, em veterinária, equivale à paranóia humana de não anunciar gravidez antes do terceiro mês: muita coisa pode acontecer ao filhote nessa fase, melhor não fazer muitas projeções. Passado o desmame, minha mãe logo se encantou com a filhote mais gorducha e peluda, com olhos pintados de cajal, e como era o ano da novela O Clone, que ELA ACOMPANHAVA (not my fault!), batizamos nossa pastora islandesa de Radija. Devia ser o nome da filha da protagonista, ou de um dos clones da protagonista, se é que a protagonista tinha clones. O importante é que a Radija tinha olhos de burka, portanto era árabe, apesar de islandesa, e, como árabe, seria a companhia ideal para o Povo, que, apesar de brasileiro, é galgo iraquiano. Estou tentando arrumar mentalmente a árvore genealógica internacionalmente complicada da minha nobre família peluda, perdoem-me pela confusão.
Agora eu vou resumir muito pra não ter o fígado devorado pela minha chefe: a Radija era um probleminha dos meus pais e do Povo, que, até sua entrada em nossa casa (mas não em nossas vidas), nem sonhava que teria de dividir seu território e vida boêmia com um filhote pentelho. Eu cheguei a ser contra, mas como era favorável ao escoamento solidário de filhotes não programados no seio de nossa família, relaxei. Minha princesa passou a ser meu probleminha quando:
1) O caseiro do sítio lhe fraturou 4 metacarpianos de uma só vez, com uma pisada "sem querer". Até que a gente achasse outro caseiro, porque sem querer de cu é rola, ela ficou no Rio sendo cuidada por mim. Aproveitei que ela me olhava muito e castrei. Comigo não tem papo.
2) Sumiu do sítio, depois de ter andado atrás de seu primo impaciente, e não conseguiu achar o caminho de volta - acho que já contei esse causo aqui. Pra evitar que ela tornasse a se perder pela estrada afora, meu pai construiu um campo de cãocentração gigante ao lado de nossa casa, em Miguel Pereira, e até que suas janelas caninas e canteiros de gramas tenras ficassem prontos, a filhota ficou morando comigo em Santa Teresa. No início, eu falei pra ela não me olhar daquele jeito que meu coração era impermeável a olhos pintados de cajal, mas ela começou a fazer tanta merda (se eu não fosse veterinária, diria que era pra chamar minha atenção), que eu tive de ter um particular com ela. Depois daquele sermão da montanha, combinamos que ela poderia dormir na cama comigo, mas só por uma noite, o que corresponde à mentira humana do "só a cabecinha".
3) Ela comeu o pobre jabuti do alemão Frank, que trabalhava na casa em que eu morava. O quelônio ficou internado por dois dias na clínica de um amigo, mas não resistiu aos graves ferimentos (se eu descrevesse, vocês vomitariam), e morreu. Acho que foi o labrador Toro, um atormentado mental que passava o dia na nossa creche canina, quem a ensinou que caçar pode ser uma coisa divertida, porque o dálmata Lúcio só caçava mangas e bolinhas, e olha lá. Eu sei que a Radija, então com 5 meses e já castrada, aprendeu rápido demais com o Toro, e junto com seu colega de caçada, causou um pequeno desastre ecológico em Santa Teresa, nas imediações de nosso quintal. Eu aprendi a acordar mais cedo que todos para esconder os cadáveres de gambás e ratos produzidos pela Radija (e talvez, mas muito dificilmente, pelo coitado do Lúcio, que tinha problemas esqueléticos graves demais pra isso). O episódio do jabuti tinha reduzido drasticamente sua popularidade na república em que moravámos, e eu não queria que ela fosse expulsa. É muito humilhante, até pra um canino, ser expulso de uma república por mau comportamento.
E aí, finalmente, depois de ter passado 5 meses debaixo de minha asa e na minha cama, o canino Radija sofreu para sempre um upgrade nominal, taxonômico e afetivo, e se tornou minha princesa, dona de uma metade exata do meu coração (caso o Povo esteja lendo este post).
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