O santo da chave
A mãe do cara que eu mais amei na vida contou-me que jogou as cinzas de seu filho no mar, exatamente como fez há quase 10 anos com seu ex-marido (ou o que sobrou dele após a cremação). Dessa vez, no entanto, baseada na experiência angustiante de não saber onde, no mar, havia deixado seu ente partido, ela pediu ao barqueiro:
- Leve-me a um lugar onde exista um ponto de referência que eu possa ver em terra.
E o barqueiro levou a mãe e sua urna à escultura em bronze de São Pedro, erquida sobre uma plataforma de granito em frente quase à praia da Urca. Contei esse causo a um grande amigo e ele, depois de uma longa pausa, que eu achei que estivesse sendo gasta com sentimentos nobres de pesar e solidariedade, disse:
- Mas essa estátua é de São Cristóvão, não é de São Pedro!
Começamos uma longa discussão sobre o sexo dos anjos. Ele podia jurar que era de São Cristóvão, porque sua mãe, antes de encarar a estrada entre Rio e São Paulo com toda a família de guris no carro, sempre fazia um pit stop na Urca, em frente à estátua, para fazer uma prece a São Cristóvão, o protetor dos viajantes. Argumentei que, embora não seja uma conhecedora profunda dos santos, sabia que aquele ali era São Pedro porque ele levanta uma chave sobre a cabeça, a chave do céu. Ora, todo mundo que teve convívio escolar já ouviu estórias (ok, piadas) com São Pedro, o porteiro do céu, que sempre embarreirava os Joãozinhos da vida. Dã, ele falou, e se a chave for de algum carro? Aí estaria a prova irrefutável de que a estátua é dele, São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas.
Não quis continuar a conversa. Prometi que iria googlar que santo era aquele, mas confesso que a dúvida me deixou muito intrigada. Então um santo se encerra naquilo que carrega, no acessório que usa? Tive questionamentos profundos sobre fé e moda. A fé há de ser a antítese da moda, e não é à toa que os padres e monges de todos os tipos usam a mesmo modelo de roupa há séculos.
Na minha corrida de domingo, fui até a estátua de São Pedro-Cristóvão (ah, sim, se ele protegeu meu amigo por tantos anos fazendo se passar por outro, dei-lhe o benefício da dúbia-personalidade). Pensei no meu querido cujas cinzas foram atiradas ali e torci para que aquela chave lhe tenha aberto as portas do céu. Chorei um pouco, rezei desengonçadamente, mas passei longos minutos ali não para isso, e sim para tentar entender como alguém pode confundir São Pedro com São Cristóvão. O mundo materialista não está pronto para essas questões espirituais complexas.
- Leve-me a um lugar onde exista um ponto de referência que eu possa ver em terra.
E o barqueiro levou a mãe e sua urna à escultura em bronze de São Pedro, erquida sobre uma plataforma de granito em frente quase à praia da Urca. Contei esse causo a um grande amigo e ele, depois de uma longa pausa, que eu achei que estivesse sendo gasta com sentimentos nobres de pesar e solidariedade, disse:
- Mas essa estátua é de São Cristóvão, não é de São Pedro!
Começamos uma longa discussão sobre o sexo dos anjos. Ele podia jurar que era de São Cristóvão, porque sua mãe, antes de encarar a estrada entre Rio e São Paulo com toda a família de guris no carro, sempre fazia um pit stop na Urca, em frente à estátua, para fazer uma prece a São Cristóvão, o protetor dos viajantes. Argumentei que, embora não seja uma conhecedora profunda dos santos, sabia que aquele ali era São Pedro porque ele levanta uma chave sobre a cabeça, a chave do céu. Ora, todo mundo que teve convívio escolar já ouviu estórias (ok, piadas) com São Pedro, o porteiro do céu, que sempre embarreirava os Joãozinhos da vida. Dã, ele falou, e se a chave for de algum carro? Aí estaria a prova irrefutável de que a estátua é dele, São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas.
Não quis continuar a conversa. Prometi que iria googlar que santo era aquele, mas confesso que a dúvida me deixou muito intrigada. Então um santo se encerra naquilo que carrega, no acessório que usa? Tive questionamentos profundos sobre fé e moda. A fé há de ser a antítese da moda, e não é à toa que os padres e monges de todos os tipos usam a mesmo modelo de roupa há séculos.
Na minha corrida de domingo, fui até a estátua de São Pedro-Cristóvão (ah, sim, se ele protegeu meu amigo por tantos anos fazendo se passar por outro, dei-lhe o benefício da dúbia-personalidade). Pensei no meu querido cujas cinzas foram atiradas ali e torci para que aquela chave lhe tenha aberto as portas do céu. Chorei um pouco, rezei desengonçadamente, mas passei longos minutos ali não para isso, e sim para tentar entender como alguém pode confundir São Pedro com São Cristóvão. O mundo materialista não está pronto para essas questões espirituais complexas.
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