Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, abril 13, 2006

Visconde de Mauá em dois tempos


Minha primeira vez em Mauá

Eu e o Bejota, meu namorado na época, inauguramos Mauá a bordo de um possante Chevette Junior que quase desistiu no caminho, num belo feriadão de 15 de novembro. Eu era universitária da Rural e, talvez por isso, sentia uma compaixão tremenda por essa galera que pede carona na estrada. A serra estava tão mergulhada em neblina que às vezes a gente tinha de sair do carro pra ver pra onde ia a curva. Tudo bem, a gente não tinha pressa: o feriado nem tinha oficialmente começado. De repente, uma trégua na neblina, um clarão e um mochileiro pedindo carona. "Ah, Bejota, pára pro pobrezinho!" Paramos e o cara entrou depois de perguntar pra onde iríamos, como se fosse possível ir pralgum lugar que não Mauá daquele ponto em diante - papo de doidão. O fog voltou, mas pela voz eu reconheci o carona: era o Marcelo, um maluco que eu conhecia de Miguel Pereira e que fazia faculdade de zootecnia na Rural. Ele trocou o pneu do meu carro uma vez, porque ficou com pena de mim: eu tinha colocado o macaco do lado oposto ao do pneu furado e estava sinceramente achando que eu ia ter de levantar o carro todo do chão pra trocar uma merda dum pneu. Eu não sabia que tinha furo pra enfiar o macaco dos dois lados, mas ele chegou sussurrando que estava tudo bem, que ninguém tinha visto o mico-macaco que eu estava deliberadamente pagando. Ficamos melhores amigos na hora.

Mauá, galera, feriadão: tudo era uma festa! Perguntamos o que ele tinha trazido de comida, porque o Marcelo fazia parte duma cooperativa de comida macrô no campus, onde eles produziam altos granolas e a melhor banana-passa do mundo. Ele tinha quilos de banana-passa e granola que, juntando com o miojo e o cream-cracker que trazíamos na bagagem, era garantia de muitas refeições quase balanceadas.

Detalhe: não tínhamos noção de onde poderíamos ficar, e já passava das 23h. O Marcelo, que conhecia tudo em Mauá e tinha chegado até a serra por intermédio de 3 caronas em caminhões e uma escalada na qual ele perdeu um pé da botina, falou que rolava um camping. Bacana. Mas o camping estava fechado quando a gente chegou lá depois de meia-noite, então tomamos umas pingas com mel pra esquentar e dormimos no carro, na frente da igrejinha. O Marcelo roncava pa-ra-ca-ce-te, mas sobrevivemos. Dia seguinte, montamos nosso iglu num espacinho simpático do camping, ao lado de uma pedra bem plana onde eu fiz a minha prática diária de yoga, com saudação ao sol voltada ao nascente, tudo lindo. O Marcelo achou conveniente continuar dormindo no carro, embora o Bejota tivesse até proposto um esquema de ele dormir de dia e a gente de noite na barraca, fazendo assim, tipo um rodízio, já que três não cabiam no iglu ao mesmo tempo: o Bejota tinha 1,90m e o Marcelo era meigordim.

Só houve um estresse, mas super efêmero: acordamos um belo dia pra tomar café e não tinha nem granola nem banana-passa: o Marcelo trocou a carga dele por maconha sem ter sequer nos consultado, isso depois de comer muuuito miojo às nossas expensas. Mas a sorte dele é que aos 20 anos nossa capacidade de perdão é gloriosa. Se fosse hoje, ele teria morrido.

Minha última vez em Mauá

Fui com meu namorado, até aí tudo igual. A subida foi ligeiramente mais rápida, porque ele não tinha o mesmo temperamento linfático do Bejota, e o motor turbo do Golf 2.0 pedia pé na táboa. Não demos carona pra ninguém, que Golf preto 2.0 com insulfim negro é carro de gente sequestrável, fuzilável e desovável, então não demos mole pra mané. Os tempos eram outros!

Era noite também, perto das 23h, mas estávamos reservados com tutti conforti no chalé mais fofo da lindíssima pousada Verde-que-te-quero-ver-te. Quando chegamos, fiquei deslumbrada: tinha até estacionamento! - sempre que eu fazia uns comentários desse tipo, o Ivan me olhava sorrindo com cara de "ah, pobrezinha!" Tinha até um cara pra carregar as nossas malas! Olhei no porta malas preto do carro preto e fiquei confusa: será que eu não estava conseguindo ver a minha mala porque era ela também preta? Procuramos, tateamos, ligamos lanterna, mas a triste constatação final foi essa: eu tinha esquecido minha mala no Rio. Entre os mil inconvenientes envolvidos numa situação dessas, eu estava condenada a me fuder de frio. Mas aí o Ivan prometeu me agasalhar, e aí eu achei isso bom demais e meu mau humor se dissipou em 2 minutos. Ele me emprestou uma cueca e uma camiseta e no dia seguinte me deu de presente umas calcinhas meio infantis (e mal dimensionadas) e umas camisetas estilo "Eu amo Mauá", com desenhos de fadas e gnomos, que eu tenho até hoje. Entrei na cachoeira de cueca e camisetão, mas que se foda. O importante é que a falta de roupas não me limitou em nada.

Não comemos macrô: fomos de gastrô-chic mesmo e eu devo ter engordado uns 20 kg só no café da manhã com mil queijos de cabra diferentes. Fiquei com pena de pescar as trutas no pesque-e-pague, mas comi algumas já mortinhas e temperadas, fora do habitat natural delazinhas. À noite, ficamos abraçadinhos na frente da lareira crepitante e de repente eu percebi que eu não precisava de mala, de roupas, de nada: minha vida estava completa.

***

Nisso eu acho que não mudei nada. Quando eu estou amando, tenho a mesma velha sensação de que não preciso de mais nada. Talvez de um pouquinho de água, que é pra repor as lágrimas derramadas de felicidade; e de ar, que é pra ter onde levitar.

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Viva Mauá!