Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, maio 24, 2006

O Povo odeia a Copa do Mundo.

Foto de Copa do Mundo roubada do Flickr desse maluco aqui.


O Povo Brasileiro não entende. O Povo fica atônito diante das pessoas gritando ensandecidamente para a TV. O Povo, coitado, morre de medo dos fogos que pipocam antes, durante e depois dos jogos. O Povo, enfim, odeia a Copa.

O Povo é meu galgo iraquiano. Ele é o único galgo iraquiano do planeta, mas não é o único cão a odiar a Copa do Mundo. Hoje ouvi fogos e pensei: coitado do Povinho; deve estar todo encolhido lá em Miguel Pereira, sem entender o que ele fez pra merecer tanto castigo sonoro. É que fogos são um verdadeiro castigo pros cães, um castigo sem sentido, e castigos sem sentido geram muita ansiedade.

Alguns animais têm tanta fobia de ruído que se mutilam, destroem a casa, pulam da janela e têm síncopes cardíacas. Morro de dó. Quinzinho, o Cocker Spaniel de uma tia minha, encerrou sua vida enforcando-se no portão por causa dos fogos do reveillon. Ela chegou, toda de branco, e encontrou aquele cenário trágico: metade do corpo pra fora, metade pra dentro, um palmo de língua roxa pendendo da boca desfalecida do pobrezinho. Fogos de reveillon. Que merda de ano novo foi aquele!

Os cães não entendem, não adianta. Não adianta ensinar pra eles o que é impedimento, mostrar a foto do time brasileiro e ponderar sobre a boa fase física do Ronaldo. Tudo o que seu cão irá entender é que ele está sendo punido com um foguetório desgraçado, e ele não sabe que merda ele fez desta vez pra merecer esse esculacho. O papel do dono nessa estória, obviamente, é tentar minimizar ao máximo o estresse do pobre cão, isolando acusticamente um quarto da casa com caixas de ovos, jornal, papelão, isopor ou o que for e deixando que seu melhor amigo possa se refugiar ali, no escurinho e no fresquinho, de preferência com uma música suave bem baixinha tocando, uma caminha bem gostosa pra ele poder deitar se quiser e várias meias sujas suas pra que ele se sinta amparado no exílio. Vale à pena deixar nesse refúgio algumas coisas com seu cheiro que seu cãozinho possa destruir com segurança, que destruir coisas ajuda a reduzir a ansiedade.

É bem verdade que há também aqueles cães, como o Tango, um American Staffordshire que eu cuidava, que não estão nem aí pro barulho dos fogos. Cães assim geralmente têm até um time favorito, mordem a torcida adversária e gostam de posar de boné e óculos. Desconfio que eles não desconfiam que são cachorros (cá entre nós, não sou eu que vou contar a verdade pra eles!). Pois o Tango, só pra contar um conto animalesco de futebol, estava assistindo um jogo da última Copa com seus donos e mais uma penca de gente, como convém numa quarta de final. Houve a iminência do gol, os homens todos se puseram de pé e esbravejaram. O gol não veio. Os homens deram socos no ar. Tango apenas observava. Eis que a bola estava novamente em pés brasileiros e, desta vez... gol! O dono do Tango corre pra abraçar seu melhor amigo e, no meio do abraço, entre tapas nas costas e gritos de "FILHO DA PUTA!!!", e essas coisas meigas que os homens dizem quando estão felizes, o amigo congela. O dono do Tango pergunta "pô, cara, o que foi?", ao que o amigo responde: "Cara, não queria dizer, mas seu cachorro está me mordendo."

Ou seja, os cães podem até entender o que é gol, mas nunca vão acreditar que um cara que soca seu dono e o chama de filho da puta é amigo. Muy amigo!