Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, agosto 13, 2006

Soco no estômago

Imagem (roubada daqui) que fala mais que mil palavras



Meus pais se separaram quando eu tinha nove anos. Minha mãe se casou logo depois com meu paidrasto, a quem eu me refiro (para outras pessoas) simplesmente como pai, embora o trate, pessoalmente, por seu apelido. Uma forma que eu arrumei de preservar, para o meu pai biológico, o seu lugar no trono abdicado.

Eu sempre tive a sensação de ter sido abandonada pelo meu pai. Até sei que ele lutou na justiça para ficar com os filhos, mas pra mim aquela foi uma batalha teórica, numa arena fria em que eu nunca pisei. Sempre que ouvia qualquer uma das partes dizer que iria ao fórum para mais um capítulo daquele novelão SBT, imaginava – com minha mente dramática infanto-juvenil – um juiz de peruquinha branca e um plenário repleto de jurados desconfiados, que ouviriam as versões nada isentas de mágoas de meu pai e de minha mãe sobre sua própria importância na vida dos filhos. No entanto, nunca me chamaram pra depor, mão sobre a Bíblia, jurando dizer a verdade e nada além da verdade no caso Papai versus Mamãe pela guarda dos filhos; e, sobretudo, nunca me perguntaram se eu preferiria viver com um ou outro. Na dúvida, eu vivia com a asma, pronta a me pendurar num nebulizador e provar minha incapacidade física de falar, caso os guardas dessa arena cinematográfica me obrigassem; e se, mesmo fisicamente incapaz, eu fosse forçada a falar, eu não resistiria à tortura e confessaria que não queria participar daquilo, que não era culpada, que eu não tinha feito meus pais se separarem, muito embora eu tivesse minhas dúvidas a esse respeito.

Já estou bem velhinha pra ficar atribuindo neura aos meus pais, mas eu cortei um dobrado pra acreditar, de verdade, que eu não merecia ser abandonada pelos caras que meu dedinho podre escolhia pr’eu me apaixonar; que eu não merecia ser punida (por ter feito a cagada federal de ter separado meus pais); e, sobretudo, que eu tinha o direito constitucional de ser feliz. Eu tive de enterrar as figuras arquetípicas dos pais que abandonam, acusam e ferem, colocá-las em perspectiva humanóide, lembrar que herrar é umano, perdoá-las e seguir em frente. Ufa, deu trabalho. E, quando vi, tinham se passado quase 20 anos de relações amorosas fadadas ao fracasso com: o israelense fazendo uma viagem de volta ao mundo, o sul africano que morava num veleiro, o galinhão irrecuperável, o cara que definitivamente (porque tá escrito na testa dele) vai voltar pra ex, e por aí vai. Até cheguei a pensar em produção independente de filhos por acreditar, durante um bom tempo, que se o homem vai sair fora, e isso pra mim era fato, sejamos coerentes desde o início e eliminemos o fator homem de nossas vidas. Quanta tolice!

Homem é bom, quando o homem é bom. Quando é homem. Homem que é homem não abandona os filhos, nem mistura mágoa de amor partido com seu amor pelos filhotes. Homem que é homem não deixa outro homem ocupar seu lugar insubstituível de pai. E pra ser pai não basta pagar a pensão ou a escola das crianças, tem que participar. Tem que ir na reunião de pais e mestres, na natação e no judô (e não só nos dias de competição, mas nos outros, pra saber do professor como vai seu rebento), tem que desligar a droga do celular quando está batendo um papo cabeça com a filha e não pode, em hipótese alguma, falar mal da progenitora, que a megera pode ter todos os defeitos do mundo, mas é mãe daquele pedaço de gente que não tem nada que ver com essa briga.


Não sei se estou numa fase Pollyanna-otimista ou se amadureci, mas hoje, aos 34, eu acredito na viabilidade de uma relação boa, calcada na honestidade, no companheirismo e na cumplicidade, de um homem com uma mulher. E sei que estou apta a isto, agora que parei de viver em função da paralisante certeza de que a solidão é o fim de quem ama. Vendo o exemplo de meus próprios pais - o 1 e o 2 - e meus amigos que são pais separados, mas presentes para seus filhos, tenho cada vez mais clareza de que o amor entre dois adultos é eterno apenas enquanto dura. Mas o amor pleno de um pai por seu filho, destilado das situações externas, esse não acaba nunca. E até transcende a própria morte.


Feliz dia dos pais a tutti, mas principalmente ao futuro pai do Gabriel; e por último, justamente por ser o mais importante, feliz dia pro Lau, pai amoroso de Joana e Clara e futuro pai, quem sabe?, de Pedro, Luiza e quem mais chegar.