Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sábado, novembro 25, 2006

Vingança

Quando falei aqui de despeito, achei que houve alguma confusão quanto aos conceitos de despeito, ciúme, raiva e vingança. Não importa o que diga o Houaiss, e o Houaiss diz muitas coisas, mas eu vejo as coisas da seguinte maneira: despeito é aquilo de que fala "Nervos de Aço", do Lupicínio, que ao ver a amada em um braço "que nem um pedaço do seu pode ser", sente aquele ressentimento. Um amargor existencial que só passaria se um trem descarrilhasse e passasse justo em cima daquele casal que agora desfila feliz, só pra provocar, na sua frente. Isso sim, é despeito. É um desgosto furioso, uma mistura de raiva com ciúme e sede de vingança. Ciúme, raiva e sede de vingança estão contidos em despeito, e portanto são menores que ele. Despeito é um troço muito profundo.

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Um parêntese aqui pra contar um causo familiar. Tenho uma tia casada com um americano: ela não fala bem o inglês, ele não fala nada de português. Uma dia, ela estava na cama gemendo de enxaqueca. Ele perguntou se a dor era muito forte, ao que ela disse, em bom português: "Pra caralho!" Ele tentou repetir: "...Carrr-ah-lee-o? Significa que é profundo?". E minha tia, com toda a paciência que uma enxaqueca permite, respondeu: "Sim, George, quando eu disser que dói pra caralho, significa que a dor é muito profunda. E que se você não sumir em 3 segundos vai sobrar pra você!" Ele sumiu em dois segundos.

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Pois bem, voltando ao despeito, essa amálgama de sentimentos ardidos como pimenta. Ter sede de vingança é uma coisa; se vingar, de fato, é outra bem diferente. Perdemos as contas das vezes que desejamos uma morte horrível aos nossos desafetos, mas depois a raiva passa e gente nem lembra que o pulha ou bruxa (aquilo!) existiu. Seria diferente, no entanto, se a gente fizesse algo pra puxar o tapete do infeliz em algum momento da vida. Não sou dada a vinganças, porque a análise me tornou individualista demais pra perder tempo pensando em quem não merece meu pensamento. Porém, observando o comportamento de parentes e pessoas conhecidas, classifiquei a vingança em 3 tipos:


1. Vingança por impulso: aquela que é executada com ódio, no calor das emoções. Exemplos da vida real: furar os pneus do cara na frente de 3 mil pessoas no BG; derramar um copo de vodka no cabelo de chapinha da mulher que seu ex está paquerando na festa; destruir CDs raros, que poderiam ter sido gravados pro seu HD antes do acesso de fúria; descobrir a senha do e-mail do cara e escrever pra todas as mulheres de sua lista de contato dizendo que ele é viado, brocha e tem chulé; quebrar com o macaco todos os vidros de um carro que pegou a vaga que você levou 40 min pra conseguir no shopping, às vésperas do Natal.

2. Vingança violenta premeditada: aquela em que o despeitado contrata um matador de aluguel por 200 reais. Exemplos da vida real: 80% dos casos do Linha Direta (que vai acabar inflacionando o mercado de matadores de aluguel, porque a rapeize vai acabar percebendo que está ganhando menos do que poderia).

3. Vingança cultural moderninha: quando o autor usa sua raiva para criar mais do que nunca, sempre dando um cruzado de esquerda com luva de pelica no queixo de seus desafetos, que, por sua vez, nunca poderão ir pra justiça reclamar do alvitamento por causa da troca de nomes e da declaração, nos créditos, de que "esta é obra ficcional e qualquer semelhança com a realidade é mera infelicidade". Exemplos da vida real: sambistas, poetas e o Woody Allen.

4. A vingança é um prato que se come frio: aquela que cai no colo do autor quando ele menos espera. Exemplos da vida ficcional: você abre a porta de casa pra entrevistar a nova empregada e encontra -- olharzinho humilde, pisando sobre seu capacho -- sua ex-patroa carrasca. ("Doméstica", Eduardo Dusek).

Nem preciso dizer qual é o meu tipo preferido.