Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Pensando na morte, não necessariamente da bezerra.

Comprei meu primeiro maço de cigarro na vida: um Sampoerna cravo e canela, ultra light, mais mulherzinha impossível. Vem com 20 cigarros. Fico pensando quantos eu terei de fumar até morrer de câncer. As chances são horríveis: conheço gente que fuma há 40 anos e nem sinal de câncer ainda.

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Ele tinha passado dois dias semi-consciente, sob efeito forte da morfina. Pouco depois do meio-dia, inesperadamente, despertou e perguntou as horas à sua mãe. "Meia noite", ela disse, para que ele não percebesse que tinha estado sedado. Nesse momento, tocou na rádio uma música da Elis, "Como nossos pais". Ele cantarolou a estrofe, sorriu e morreu. Fim.

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Eu cantava "Como nossos pais" pra ele dia sim, dia não. Muito antes da gente saber da existência da morfina ou das coisas que trariam a morfina pro nosso dia-a-dia. Dias felizes aqueles. Tinha até espaço pra gente contar estrelas no céu e inventar nomes de constelações para as pintinhas das costas.

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O fentanil é um tipo de morfina que a gente usa pra evitar a dor no trans e pós-operatório, pelo menos em veterinária. Um dia, confesso, com medo duma cadela sentir dor, dei-lhe 1 ml de fentanil a mais do que deveria. Passei a tarde toda ao lado dela, observando seus movimentos respiratórios e monitorando seus batimentos cardíacos, na esperança de que meu desejo angustiante de evitar a dor não a prejudicasse. Ela passa bem, nunca passou mal, mas eu nunca mais vou conseguir usar o fentanil como as outras pessoas. A morfina nunca mais terá o mesmo significado para mim.

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Um dogue alemão morreu na mesa operatória ao meu lado: tumor hepático inoperável. Eu estava na anestesia da castração de uma rottweiller e comecei a salivar pelo ladrão quando ouvi dizer que o tumor -- ao lado -- era hepático e inoperável. Fiz ânsia de vômito quando o tumor saiu da sala, numa bandeja de aço inox, rumo à anatomia patológica. E passei a tarde toda chorando porque o dogue alemão que acabara de morrer tinha o meu peso, mas não era eu. Meus colegas, claro, riram de mim.


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Com tanta gente boa morrendo por aí, por que eu tenho de permanecer viva? Por que a vida não se cala?