Kids
Uma vez eu tentei entender por que me encantam tanto as crianças, e cheguei à conclusão de que tanto fascínio tem pouco ou quase nada a ver com meu desejo de ter os próprios rebentos. As crianças são fascinantes, como são fascinantes os labradores ou tudo quanto é filhote que se equilibra entre o ser ridículo e o ser de fato, ou como é intrigante tudo aquilo que não se importa de ser e pronto.
Na saída da escola, vejo um desfile de fadas, brancas de neve e homens-aranha, todos com cerca de um metro de altura. Pergunto pra uma mãe passante qual havia sido a ocasião para tanta gala, mas não tinha tido festa: aquela era apenas mais uma quarta-feira banal, como poderia ter sido quinta ou segunda de uma semana qualquer, numa escola-parque em que as crianças se vestem como bem entendem. Desço a rua sonhando com um mundo em que a gente pode ser o super-herói que quiser, mas o encanto se quebra quando vejo três meninos descalços salivando sobre a vitrine da loja de brinquedos. Até aí, tudo lindo, não fosse pelo segurança do shopping que tentava removê-los daquele solo sagrado, lustroso e reservado a pegadas com poder aquisitivo, como as deixadas pelas rodinhas iluminadas dos tênis de um outro menino que observava a cena com a perversidade risonha que só as crianças têm. E eis aqui mais uma prova de que filhote é o mais fértil jardim: tudo de bom e ruim que existe em nossa espécie abunda na infância, e aos pais apenas cabe ceifar o que é daninho e fertilizar o que é bom, pra que daquele solo saia algum futuro.
No restaurante, ouço uma vozinha infantil da mesa ao lado contar como foi seu dia na escola, e a mãe tem tanto interesse naquela conversa arrastada, tão cheia de "aí né, aí né" que do lado de cá eu prendo o riso, imaginando se aquela santa está fazendo lista de compras mental, ou respondendo emails por baixo da mesa, ou se está, como realmente parece, prestando atenção naquela sucessão de queixas contra pedrinhos e olívias. Não é nada fácil a vida de uma criança que tem na sala uma olívia tão terrível, tocadora de toda a sorte de terror possível, e bem às barbas da professora. Aliás, sinal dos tempos: as crianças mais levadas de hoje têm nomes dos nossos avós, e os brunos e danielas, quem diria, são os mais bonzinhos de hoje em dia.
Pergunto pra menina no elevador o nome de seu cachorro, mas ela não sabe. "Não sabe?", reajo com espanto exagerado, aperto a mão contra o peito e simulo uma síncope cardíaca. "E como ele sabe que você está falando com ele se você nem sabe o nome do cara?!". "Nasabi", sussura com desdém. O nome do cachorro era Nasabi, e eu entendi outra coisa. A menina desce no nove me achando muito ridícula, e olha que eu acho que sou mesmo, porque de onde diabos eu tirei essa idéia estapafúrdia de que uma criança poderia não saber o nome de seu cachorro? Eu, heim! Mais fácil eu não gostar de criança.
Na saída da escola, vejo um desfile de fadas, brancas de neve e homens-aranha, todos com cerca de um metro de altura. Pergunto pra uma mãe passante qual havia sido a ocasião para tanta gala, mas não tinha tido festa: aquela era apenas mais uma quarta-feira banal, como poderia ter sido quinta ou segunda de uma semana qualquer, numa escola-parque em que as crianças se vestem como bem entendem. Desço a rua sonhando com um mundo em que a gente pode ser o super-herói que quiser, mas o encanto se quebra quando vejo três meninos descalços salivando sobre a vitrine da loja de brinquedos. Até aí, tudo lindo, não fosse pelo segurança do shopping que tentava removê-los daquele solo sagrado, lustroso e reservado a pegadas com poder aquisitivo, como as deixadas pelas rodinhas iluminadas dos tênis de um outro menino que observava a cena com a perversidade risonha que só as crianças têm. E eis aqui mais uma prova de que filhote é o mais fértil jardim: tudo de bom e ruim que existe em nossa espécie abunda na infância, e aos pais apenas cabe ceifar o que é daninho e fertilizar o que é bom, pra que daquele solo saia algum futuro.
No restaurante, ouço uma vozinha infantil da mesa ao lado contar como foi seu dia na escola, e a mãe tem tanto interesse naquela conversa arrastada, tão cheia de "aí né, aí né" que do lado de cá eu prendo o riso, imaginando se aquela santa está fazendo lista de compras mental, ou respondendo emails por baixo da mesa, ou se está, como realmente parece, prestando atenção naquela sucessão de queixas contra pedrinhos e olívias. Não é nada fácil a vida de uma criança que tem na sala uma olívia tão terrível, tocadora de toda a sorte de terror possível, e bem às barbas da professora. Aliás, sinal dos tempos: as crianças mais levadas de hoje têm nomes dos nossos avós, e os brunos e danielas, quem diria, são os mais bonzinhos de hoje em dia.
Pergunto pra menina no elevador o nome de seu cachorro, mas ela não sabe. "Não sabe?", reajo com espanto exagerado, aperto a mão contra o peito e simulo uma síncope cardíaca. "E como ele sabe que você está falando com ele se você nem sabe o nome do cara?!". "Nasabi", sussura com desdém. O nome do cachorro era Nasabi, e eu entendi outra coisa. A menina desce no nove me achando muito ridícula, e olha que eu acho que sou mesmo, porque de onde diabos eu tirei essa idéia estapafúrdia de que uma criança poderia não saber o nome de seu cachorro? Eu, heim! Mais fácil eu não gostar de criança.
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