Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

terça-feira, março 11, 2008

Auto-imagem

Não sei em que momento exato da adolescência os seres humanos começam a se queixar do próprio nariz, só sei que não conheço uma pessoa que nunca tenha reparado - e normalmente isto ocorre nessa fase da vida - que tem um nariz grande demais, ou achatado demais, ou arrebitado demais, ou adunco demais, ou pequeno demais. Nunca ouvi ninguém contando vantagem desses excessos, dizendo, por exemplo, que ter um nariz grande demais é bom porque favorece a oxigenação dos tecidos e, portanto, melhora o desempenho esportivo. As pessoas, sobretudo as mulheres, em última instância, começam a odiar a própria imagem através do nariz. Depois vêm a barriga, o quadril e os peitos, nessa ordem, até que chega um ponto que não sobra quase nada, talvez só um cantinho do lóbulo da orelha que preste, mas depois de noventa piercings até isto acaba. E o que seria da classe joelhoterápica ou plástico-cirúrgica sem isso?

Aos 20 anos, minha irmã, que sempre vestiu 36 e veste até hoje, aos 33, quis fazer uma lipo no joelho. Achava que tinha os joelhos gordos. Eu olhei bem pros joelhos dela, comparei com os meus e reparei que ela tinha (tem) uma estrutura óssea mais larga que a minha - mesmo levando em consideração que ela foi feita numa escala dez centímetros mais alta. Eu não sabia que "estrutura óssea grande", nos Estados Unidos, onde ela já morava então, é um eufemismo para "gordo", o que só piorou seu complexo de obesidade joelhal. Fomos no Daher, cirurgião plástico honesto, avaliar o quão grave era o problema. Lembro que ele teve muita paciência de ouvir o relato choroso de minha irmã sobre sua complexa gordura localizada por dentro dos ossos, e me lembro do esporro que ele deu em minha mãe por permitir que sua filha alimentasse aquela doença da auto-imagem; disse que uma lipo naquele corpo esquelético poderia pôr a vida de minha irmã em risco e, assim, saímos da clínica no Jardim Botânico com o rabo entre as pernas diretamente para a Chaika, onde celebramos a magreza recém adquirida dos joelhos da Samantha. O joelho da minha irmã continua grande até hoje, e talvez por isso ela nunca tenha engordado (porque qualquer acréscimo nas medidas do joelho lhe seria fatal), mas o centro do universo já saiu dali para outras partes.

Uma vez sofri uma queimadura de segundo grau na barriga, um desastre de depilação doméstico, e fui ao consultório de um cirurgião plástico ver o que eu poderia fazer para minimizar as marcas que ali ficaram. Ele me olhou da porta e bradou: Não diga nada! Já sei o que você quer fazer no seu nariz. Ou seja: eu, que tinha levado dez anos para me recuperar do complexo de nariz grande, torto e adunco da adolescência, entrei ali com um problema (queimaduras) e saí com outro (nariz). Foi muita generosidade dele me brindar com um complexo completamente gratuito pelo preço de apenas uma consulta. Passei a ter fobia de cirurgiões plásticos e fico tão nervosa na presença de um como uma pessoa com complexo de maluca ficaria normalmente na presença de Freud.

Quando vou à praia, antes de ficar só de biquini, olho em volta pra ver se encontro olhares que assim, de cara, pareçam pertencer a médicos (sobretudo as médicas) esteticistas, drenadores linfáticos e pessoas que sobrevivam de banhas em geral. Para minha própria paz de espírito, só viro minha bunda na direção de pessoas normais, ou seja: com celulite. Eu desconfio da sanidade mental de toda pessoa magra cuja dieta consista em duas folhas de alface por dia, e continuo achando que, entre a celulite e neuroses profundas, a primeira é muito mais orgânica e salutar. O bom espelho é aquele que nos mostra de dentro pra fora, e não de fora pra dentro.