Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, maio 07, 2006

Provações no provador feminino.

In: http://www.arcoweb.com.br/interiores/fotos/77/provador_circular.jpg

Eu odeio lojas de departamentos, mas a grana sempre curta e o perdularismo sempre largo me obrigaram, dias desses, a entrar num provador lotadaço da Renner para experimentar sete roupinhas absolutamente supérfulas. Peguei uma cabina no cantinho e comecei minha maratona de tira e põe. Na cabine ao lado, duas mulheres experimentavam roupas de festa.

- O que você acha desse aqui?, pergunta uma pra outra.
- Ah, é lindo e faz vista. É o tipo da coisa que chegou, tchan! E você tá mais magra (reparem que mulher nunca diz "você está magra"), com um corpo ótimo, tudo a ver com esse vestido.
- É, aquele filho da puta vai ver. Vou chegar lá arrebentando.

Eu parei tudo, na mesma hora. Então havia um filha da puta ardiloso por trás daquele inocente vestidinho de festa. Eu queria saber mais.

- É, mas você sabe que ELE vai estar lá com ELA, né? Será que até o dia 13 você já vai estar namorando?
- Nada é impossível. Não chego lá sozinha mas nem!, nem que eu tenha de alugar algum michê. E essa saia marrom aqui, que que você acha?
- Ah, esta sim, é tudo! Imagina essa saia com aquela sua sandália dourada, você faz uma maquiagem linda, carrega nos olhos assim e aí, sim, aí ele vai ver a merda que fez.
- Jura? Então separa a saia, vou levar. Agora tenho que pensar numa blusa que combine com aquele sutiã de alça de ouro. A alça de ouro tem que aparecer!
- Só me promete uma coisa: haja o que houver, você não vai dar pra ele.
- Ah, não, pode deixar. Do jeito que ele sumiu, ele nunca mais vai me procurar.
- Ou seja, que merda: se ele te procurar, você dá!
- Se ele me procurar, eu não respondo por mim. Mas ele não vai me procurar, fica fria.
- OK, então, voltando à vaca fria, meu bem: seu michê não pode ter cara de viado, não, senão o Caio vai é rir de você, de braço dado com um viadinho. Sinal de desespero total.
- Não quero pensar nisso agora, mas pior que é: tem travesti por aí com muito mais cara de homem que esses michês que fazem ponto em Copa. Nem isso vai ser fácil. Aquele filho da puta, olha só o que ele está me forçando a fazer: acordos com a bandidagem, com a corja da sociedade.

Eu tenho que abafar a gargalhada num trenchcoat digno de pólo norte. Fico pensando em que diabos eu estou fazendo com um casaco pesado desses numa cabine da Renner, em pleno Rio de Janeiro. Minhas divagações sobre o inverno e o consumismo são brutalmente interrompidas pelo choro copioso da mulher na cabine ao lado. "Perdi alguma coisa", pensei.

- Por que ele fez isso comigo, por quê?, pergunta ela com voz chorosa de abandono.
- Ah, amiga, homem é assim... não presta. Tem que abstrair.
- Mas *soluço* eu gos...tava tanto *soluço* dele e *soluço* ele nem pra... nem pra conver*soluço*sar comigo... ou explicar porquê... eu não entendo, não consi*soluço*go entender...

Fiquei com os olhos instantaneamente marejados e meu humanismo maternalíssimo quase me impele a sair disparada da minha cabine pra abraçar a moça. Porém um lampejo de sobriedade me faz lembrar que eu estava de calcinha, e de repente achei que ia pegar malzão abraçar uma completa estranha de calcinha. Sentei pra ouvir o resto.

- Ô, amiga... Olha, vamos fazer o seguinte: a gente compra esta saia, vai pra manicure pra ficar com as garras em dia, depois pega um cineminha, bate uma perninha, enche a carinha e você nem vai lembrar que esse mala existe. Vai passar, você vai ver.
- Mas eu não *soluço* consigo... ele acabou com a mi-nha vi*soluço*da.
- Eu sei... Mas você lembra do Beto? Foi a mesma coisa com o Beto. Um mês depois você já estava viajando com o Renan.
- Mas eles não chegam aos pés do Caio! O Caio, sim, era o ho-mem da mi-nha vida... e eu não en-ten-do... *seqüência de soluços*

Senti uma compaixão especial pela moça que chorava ao lado. Quis sair de meu provador para espiar seu rosto, ver se a reconhecia, mas algo me disse pra ficar ali bem quietinha em minha cabina, que corria o risco d'eu encontrar um espelho na frente do outro e, assim, ver minha imagem multiplicada por mil, por um zilhão de mulheres, todas unidas pelo canalha do Caio e por essa incrível capacidade de seguir vivendo, apesar dos tocos, que alguns chamam de perseverança.