A última ceia.
Almocei com minha avó 8 dias antes d'ela morrer. Passei na casa dela logo depois de minha primeira reunião no Vigilantes do Peso (VP), a solução que eu encontrei pra eliminar cinco quilos inconvenientes, daquele tipo que se aloja nas férias e, tal qual um sem-teto marrento, vai ficando, vai ficando.
Na casa d'avó chegando, vi o que me aguardava sobre a mesa: purê de batata (minha vó sempre fez purê de batata só pra mim!), tutu de feijão, arroz refogadinho daquele tipo que reluz de tanto óleo (e exatamente por isso, uma delícia), bifinhos refogados em litros de manteiga com cebola, uma salada só pra constar e mostarda refogada. O melhor cheiro de comida do mundo estava ali, debaixo do meu nariz, e tudo o que eu pensava era na quantidade absurda de pontos VP que uma colherada de cada coisa daria. Vendo-me comer tão pouquinho, com a calculadora do lado, minha avó perguntou qual era o meu problema, mas daquele jeitinho lindo d'ela falar, dizendo que eu estava muito magrinha, que devia comer mais. Expliquei-lhe o esquema dos pontos VP, que um bife de frango grelhado tinha 3, meia xícara de arroz, 2, uma xícara de morango, zero, e por aí vai. Depois de ouvir em silêncio, minha sábia avó decretou: "Pode comer à vontade, minha querida, que tudo aqui é zero ponto."
Achei aquilo incrível, e eis que operou-se um milagre: eu fiquei leve. E comi de tudo, e repeti tudo 3 vezes, e pedi pão pra comer o molho do bife, e ainda tracei, de sobremesa, uma fatia gigantesca de rocambole com doce de leite feito por ela. Lembro da vovó me explicando pela enésima vez como ela fazia aqueles risquinhos lindos sobre o rocambole, e fiquei olhando embevecida praquela jovenzinha de 94 anos, que me contava de seus planos pra uma nova feira de artesanato e do modelo de toalha de crochet que ela tinha tirado duma novela.
Oito dias depois, quando eu cheguei em casa sem fome e talvez por falta de qualquer coisa boa no que pensar, ou talvez por falta de sentido pra vida, ocorreu-me que os pontos que eu tinha poupado por ter passado 24h sem comer compensariam a farra do boi da semana anterior na casa da vovó. Repeli o pensamento com todas as forças que ainda tinha e olhei pra minha velhinha sorrindo no porta-retratos na sala: os pontos daquela última ceia, vó, eu quero guardar pro resto da minha vida.
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