Fred Negão - fim
(continuação)
Fred e eu éramos tão unidos, que talvez ele fosse apaixonado por mim e eu não percebesse. O que é bem típico meu. Tive um outro amigo da escola, cujo nome não revelo pra preservar-lhe a privacidade, que era apaixonado por mim, se é que é possível alguém ser apaixonado por alguém aos 13 anos. E eu correspondia, mas de um jeito que o chocou, no auge de sua expectativa de vivenciar comigo a primeira experiência sexual. Disse-lhe que ele me encantava e eu o adorava sinceramente. Como se adora sinceramente um ursinho de pelúcia, oras. E essa estória do ursinho fodeu com a cabeça e a sexualidade do meu amigo por quase duas décadas. Ele passou quase duas décadas se sentindo um ursinho blau-blau a toda vez que uma garota se aproximava dele, e eu, quando soube, burra velha já, me senti muito culpada. Se eu pudesse voltar o tempo, teria dado logo pra ele e pronto, pra não criar esse trauma todo.
Pois o Fred, apaixonado por mim ou não, foi meu único amigo -- e eu vou dizer isso bem alto, que in vino veritas, e eu saí da dieta pra dizer umas verdades, que tem dias que a gente precisa pôr pra fora! --, o único amigo HOMEM e o único amigo DA ESCOLA que foi à minha festa de quinze anos.
Minha festa de quinze anos foi um mico federal que minha mãe (ex-tijucana, ex-normalista e ex-pobre, não preciso dizer mais nada!) me obrigou a pagar. Me vendo incapaz de demover minha mãe daquela idéia louca de fazer um baile de debutante, com bolo e vestido de noiva, o máximo que eu consegui, pra reduzir o quórum de testemunhas a níveis compatíveis com a continuação de minha vida social adolescente carioca da zona sul, foi transferir o debutanticídeo para a cidade serrana distante do Rio mais próxima: Miguel Pereira. Eu faço drama de ninguém ter ido, etc e tal, mas fazer a festa-mico em Miguel era uma solução perfeita: garantia quase que absoluta de que a galera da escola não iria me ver dançando valsa e não haveria tesmunhas óculo-escolares do evento. Contudo, pro meu quase choque-espanto-encantamento, o Fred Negão, que me amava tanto a ponto de subir uma serra por mim, compareceu de terno e gravata ao evento, tendo pra isso se hospedado com o pai no hotel que reservamos pra festa. Quando cruzamos nossos olhares no salão, e ele tentou não arregalar muito os olhos ao me ver naquele estado, com cabelo, maquiagem e vestido de noiva escolhidos pela minha mãe, eu apenas disse: "Fred, haja o que houver, não conte pra ninguém que você me viu assim, combinado?".
Ele concordou, sem dizer uma palavra, comeu dois brigadeiros e saiu à francesa. De volta à escola, nossa relação esfriou consideravelmente. Acho que ele perdeu a admiração que tinha por mim. Uma negona de verdade, na nossa concepção de black is most definitely beautiful, jamais entraria numa roupa de noiva aos quinze anos, jamais dançaria valsa e jamais teria medo de ser vista naquela situação humilhante.
Fred e eu éramos tão unidos, que talvez ele fosse apaixonado por mim e eu não percebesse. O que é bem típico meu. Tive um outro amigo da escola, cujo nome não revelo pra preservar-lhe a privacidade, que era apaixonado por mim, se é que é possível alguém ser apaixonado por alguém aos 13 anos. E eu correspondia, mas de um jeito que o chocou, no auge de sua expectativa de vivenciar comigo a primeira experiência sexual. Disse-lhe que ele me encantava e eu o adorava sinceramente. Como se adora sinceramente um ursinho de pelúcia, oras. E essa estória do ursinho fodeu com a cabeça e a sexualidade do meu amigo por quase duas décadas. Ele passou quase duas décadas se sentindo um ursinho blau-blau a toda vez que uma garota se aproximava dele, e eu, quando soube, burra velha já, me senti muito culpada. Se eu pudesse voltar o tempo, teria dado logo pra ele e pronto, pra não criar esse trauma todo.
Pois o Fred, apaixonado por mim ou não, foi meu único amigo -- e eu vou dizer isso bem alto, que in vino veritas, e eu saí da dieta pra dizer umas verdades, que tem dias que a gente precisa pôr pra fora! --, o único amigo HOMEM e o único amigo DA ESCOLA que foi à minha festa de quinze anos.
Minha festa de quinze anos foi um mico federal que minha mãe (ex-tijucana, ex-normalista e ex-pobre, não preciso dizer mais nada!) me obrigou a pagar. Me vendo incapaz de demover minha mãe daquela idéia louca de fazer um baile de debutante, com bolo e vestido de noiva, o máximo que eu consegui, pra reduzir o quórum de testemunhas a níveis compatíveis com a continuação de minha vida social adolescente carioca da zona sul, foi transferir o debutanticídeo para a cidade serrana distante do Rio mais próxima: Miguel Pereira. Eu faço drama de ninguém ter ido, etc e tal, mas fazer a festa-mico em Miguel era uma solução perfeita: garantia quase que absoluta de que a galera da escola não iria me ver dançando valsa e não haveria tesmunhas óculo-escolares do evento. Contudo, pro meu quase choque-espanto-encantamento, o Fred Negão, que me amava tanto a ponto de subir uma serra por mim, compareceu de terno e gravata ao evento, tendo pra isso se hospedado com o pai no hotel que reservamos pra festa. Quando cruzamos nossos olhares no salão, e ele tentou não arregalar muito os olhos ao me ver naquele estado, com cabelo, maquiagem e vestido de noiva escolhidos pela minha mãe, eu apenas disse: "Fred, haja o que houver, não conte pra ninguém que você me viu assim, combinado?".
Ele concordou, sem dizer uma palavra, comeu dois brigadeiros e saiu à francesa. De volta à escola, nossa relação esfriou consideravelmente. Acho que ele perdeu a admiração que tinha por mim. Uma negona de verdade, na nossa concepção de black is most definitely beautiful, jamais entraria numa roupa de noiva aos quinze anos, jamais dançaria valsa e jamais teria medo de ser vista naquela situação humilhante.
Depois da escola, o Fred fez medicina na UFRJ. E depois ele foi fazer um estágio nos EUA. E depois, como ele era um gênio, e os gênios são sempre sugados pra fora do Brasil, ele nunca mais voltou. Todos os dias, ano após ano, procuro pelo nome dele nos jornais nas editorias de Mundo e Ciência, pois tenho a expectativa cotidiana de ver seu nome associado à cura do câncer ou algo foda do gênero.
O Fred é um negão branquelo esverdeado, cabelos castanhos, talvez começando a mostrar algum componente grisalho, com olhos castanhos úmidos de planta carnívora. Médico, pesquisador, ri curtinho e pra dentro e tem uma postura engraçada, de gente que quer encostar logo na parede, pra não desmoronar. Não mora mais na Rua Belford Roxo, em Copacabana. Não deve haver muitas pessoas assim pelo mundo. Se algum de vocês topar com alguém com essas características, por favor, peça pra ele entrar em contato urgentemente, questão de vida ou morte, que está cientificamente comprovado que saudade mata. E eu morro de saudades dele.
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