Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Medo

Sei que está cedo pr'eu me gabar, mas há seis dias eu venho utilizando minha bicicleta magenta como um digníssimo meio de transporte: digno porque não polui, não tem impostos a pagar, permite estacionamento fácil e é 100% flanelinha-free.

Em parte, devo minhas pedaladas ao laboroso processo de auto-cura daquela classe-mediíte diagnosticada por minha joelhaçoterapeuta; como estou tentando me convencer de que eu sou pobre -- e pobre não tem de onde tirar, esquece! --, me peguei calculando quanto eu economizaria por mês se fosse daqui ao Flamengo de bike (e não de ônibus).

Por outro lado, tenho pedalado porque tenho verdadeiro pavor de pedalar na rua e ser atropelada, sofrer fratura exposta e acabar morrendo com as tripas espalhadas pelo asfalto, sob algum coletivo cheio de passageiros apressados, na contra-mão, atrapalhando o tráfego. Pode parecer meio paradoxal e auto-ajuda total, mas foi justamente por ter tanto medo de pedalar na cidade, no meio dos carros, que eu achei que esta seria uma boa oportunidade d'eu enfrentar algum medo, alguma vez na vida. É que eu passei a minha evitando tudo o que me assusta, e agora estou de saco cheio disso. Quero o lado bom do medo, o lado que enfrenta e vence, e não o que fica e não faz e, porque não faz, não vive.

É claro que eu não tenho esse medo de ser atropelada de bicicleta à toa. Eu tenho um trauma de infância, daquele bonitos e difusos, repleto de fragmentos sem sentido. Eu, aos sete anos, em Brasília, indo de bike de rodinha pro Parque Rogério Piton... meus pais e irmãos na frente, eu pra trás, cada vez mais, tanto que atravessei a rua pra cortar caminho. Foi aí que um carro passou raspando por mim, e o motorista, fulo da vida, ainda teve a desfaçatez de gritar nos meus ouvidos: "QUER MORRER, SUA MALUUUUCA?!?!?!" Não me lembro se minha mãe ouviu, se chorei, se contei pro meu pai ou se levantei meu dedo médio pro motorista. Só sei que criei um medo de morrer, sua maluca, que nem te conto. Medo de morrer andando de bicicleta no meio da rua, ao lado dos carros.

Hoje, voltando pra casa de bike em meio aos carros que disputavam milímetros no tráfego pesado das noites de sexta, eu tentava tranquilizar meu pobre coração a mil por hora, repetindo o seguinte mantra: não vai morrer, não vai morrer, não vai morrer.

E não morri.

Mas se eu morrer pedalando um dia, por favor escrevam em minha lápide:

"Morreu enfrentando seus piores medos.

E foi dramática até o final."


PS: chamei a Gabi pro Fla x Flu no Maraca, na quarta que vem. Quero ir com um colega de trabalho, que faz parte de torcida organizada, toca pandeiro, empunha bandeira de 20 metros e o escambau. Ela disse que tinha medo. Acontece que a Gabi é uma das pessoas mais raçudas que eu conheço, então, se essa moça não for comigo na Raça, vou começar a achar que a palavra dela é medo. (f*deu, desafiei!)