Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Sogrossauraus terrificus*

Pra vocês não sairem por aí falando que neste blog só se trata de abobrinha, aqui vai um texto científico extremamente relevante*, escrito há cinco anos para um concurso do Jornal O Globo sobre criaturas monstruosas fantásticas. Valia um ingresso pra ver Jurassic Park III ou V ou VII, mas eu ganhei uma camiseta que nunca fui buscar. Eu só queria mesmo era falar mal da sogra. Tenho essa necessidade, mesmo quando estou solteira.

Em tempo: eu não acredito mais em Coelhinho da Páscoa, Mulher de Branco, Papai Noel, muito menos em sogra boazinha. Com sogra, protocolarmente, não tenho um, mas sim dois pés atrás. 600 km atrás. No mínimo!


Nosso Instituto Antropo-arqueológico de Pesquisas Inúteis (INAAPEI), na busca do elo perdido entre as espécies Homo sapiens, variedade sogra, e Crotalus terrificus, a cascavel, descobriu o fantasmagórico esqueleto gordo do Sogrossaurus terrificus.

Como todos sabem, a sogra é um verme humaniforme peçonhento, enquanto a cascavel é um réptil serpentiforme pouco menos venenoso, mas ainda assim bem ágil no bote. Aparentemente, as duas espécies só teriam em comum a destreza para o ataque e o veneno, mas gravuras primitivas ilustrando mulheres de Neanderthal sendo barbarizadas por mulheres velhas e corpulentas, levaram nossos cientistas a crer que havia um ancestral paleozóico comum às duas espécies, e que este tenha escapado da Era Glacial por um triz e às custas de muita chantagem emocional.

O Sogrossaurus terrificus era um réptil humaniforme de sangue frio, onívoro oportunista e ovovivíparo. Estudos feitos sobre os vestígios de esmalte cafona encontrados nas úngulas do esqueleto indicam várias seqüências cromossomiais semelhantes às encontradas em bote de cascavéis e línguas de sogras humanas, incluindo sogras judias, portuguesas, sicilianas, tijucanas e emergentes da Barra da Tijuca. Como todos sabem, a língua de sogra humana produz um potente veneno conhecidamente capaz de arruinar casamentos felizes e destruir lares outrora estáveis, pelo menos antes daquela visita inusitada da sogra por 15 dias (BOCA DO POVO ET & AL), e esta propriedade aniquiladora totalmente do mal pode ter contribuído para que o S. terrificus pusesse em risco sua própria espécie, o que é cientificamente estúpido e revoltante.

Morfologicamente, o sogrossauro era um bípede de sangue frio que nascia com coração, mas perdia-o com o passar dos anos. Tinha membros superiores afuncionais, o que significa que, apesar de ágil e um tanto astuto, era inútil e dependia totalmente da prole para realizar qualquer tarefa que não a predatória-específica de outros adultos jovens que demonstrassem interesse afetivo por seus filhotes.


Até o momento não está totalmente explicado o motivo da perda da função cárdio-sentimentalóide do Sogrossaurus terrificus. Estudos in vivo e in mortum não foram conclusivos, e a hipótese menos provável seria a influência ambiental sobre os indivíduos sogrossauróides, acompanhando a máxima do Bom Selvagem pré-histórico (“O sogrossauro erabom, a sociedade é que o corrompia”). A hipótese mais provável, no entanto, é que o sogrossauro era mau pra cacete mesmo, e portanto desprovido de coração e sentimentos nobres.

A partir do amadurecimento sexual de seu primeiro filhote, o sogrossauro tornava-se um carnívoro voraz extremamente cruel, com atividade predatória-específica de adultos jovens de outras famílias. Exterminador implacável, o sogrossouro devorava, sem deixar vestígios (apenas algum DNAzinho, pra comunidade científica elucubrar sobre), qualquer indivíduo que tivesse pretensões reprodutivas com sua prole até o final de sua vida, que era mais longa do que deveria ser. Estima-se que cada sogrossauro eliminasse, em média, de 8 a 12 adultos jovens por filhote. Na maioria das vezes o filhote, já adulto de meia-idade, entrava em fossa abissal ou depressão profunda e morria de doenças oportunistas, como a tuberculose e a cegueira por falta de sexo.

A predação do S. terrificus era elaborada e ocorria em fases bastante distintas, onde a primeira seria a observação minuciosa do comportamento sexual das potenciais presas em relação aos seus filhotes. Após observação e estudo detalhado do comportamento da presa, o sogrossouro adotava um comportamento amistoso com a vítima, o que precedia o bote. Um capítulo à parte na etologia da espécie, o bote era uma simulação de batalha onde o sogrossouro invariavelmente fingia sair ferido, comportamento que os paleontólogos etologistas classificam como chantagista emocional ardiloso, cretino e sem-vergonha.

Apesar da simulação de fragilidade psíquica, o predador Sogrossouro terrificus era um animal robusto (em três apresentações: acima do peso, gordo ou super obeso) e refratário à maioria das doenças que vitimavam répteis semelhantes. Acredita-se que a espécie tenha entrado em extinção porque o sogrossauro: 1) não encontrava parceiros sexuais que suportassem o sobrepeso de sua carcaça; 2) era extremamente inútil e cruel, e Deus sabe o que faz.

O estudo paleontológico do Sogrossaurus terrificus representa um importante ponto de partida para complementação de estudos antropo-sociológicos sobre a influência nociva de sogras humanas nas relações familiares. Etologistas, psiquiatras e médiuns sensitivos especializados em vidas paleozóicas passadas encontraram vários traços comuns a ambas espécies. Novos estudos indicam claramente que, também na espécie humana, ocorre o mesmo tipo de mutação cárdio-sentimentalóide do sogrossouro (a substituição do coração por uma prótese de concreto), o que explicaria o comportamento diferenciado desses indivíduos (sogras) em relação ao restante da humanidade.