La vie en rose
Minha máquina fotográfica cismou de transformar os brancos em rosa. Talvez haja algum significado emblemático para isso. Talvez essa predileção pelo rosa explique muita coisa.
A vida em cor-de-rosa parece ser um dos sintomas mais exuberantes do mal de que deveras sofro, a classe mediíte. A classe mediíte é um distúrbio comportamental diagnosticado pela primeira vez por minha joelhaçoterapeuta de Bagé, cujo nome preservarei até que ela aceite sair do anonimato. O mal acomete seis em cada dez pessoas de até 35 anos ditas de classe média, mas desde que a Globo colocou seu núcleo de porteiros e manicures morando em casas de dois andares com escadarias e móveis Tok Stok, o conceito de classe média tornou-se algo muito vago e confuso. Segundo minha joelhaço, a patogenesia do distúrbio reside no fato de que a jovem criatura iludida de classe média tem bolso de pobre e cabeça de rico, o que gera um conflito emocional em seu comportamento de consumo. Isto se torna ainda pior se o paciente tem pais que passaram por dificuldades financeiras na infância e juventude e prometeram a si mesmos que nada jamais faltaria a seus filhos.
Eu jamais poderia falar de um distúrbio comportamental sem aparar as arestas de Freud, que mais ou menos dizia que os pais são sempre os culpados por tudo: os pais são, sim, culpados de tudo que acontece com seu rebento até os dezoito anos. Depois disso, é hora do mimadinho ir à luta.
O pobre, segundo o raciocínio da classe mediíte, tem bolso de pobre e cabeça de pobre; desta forma, não há grandes conflitos, pois, como criatura com os pés plantados no chão, ele só compra aquilo que pode e, se não pode, abre um crediário nas Casas Bahia e compra um refrigerador em 20 anos de parcelas de 10 reais, o que quase não compromete o orçamento familiar, embora seja, na ponta do lápis, uma tolice. (Mas quem quer ficar um ano sem geladeira, quando pode tê-la agora, mesmo que a juros altos?) Já o rico tem bolso de rico e cabeça de pobre. Ou seja: tem dinheiro pra gastar, mas fecha a mão, barganha e exige contrapartidas. Como diria a Rita Lee, quanto mais tem, mais quer. Os acometidos pela classe mediíte, por outro lado, compram por impulso uma TV de plasma -- de que não precisam para sobreviver, observem bem: o consumo de supérfluos* é outro sintoma patognomônico do mal -- em 12 parcelas de 1000 reais, o que compromete um quarto do orçamento familiar por um ano, caracterizando uma profunda estupidez emocional, que por sua vez gera um crescente decréscimo de auto-estima, que por sua vez leva uma pessoa à depressão e até ao suicídio.
Daqui pra frente, contudo, tudo vai ser diferente. Montarei com minha fiel escudeira um grupo de ajuda mútua para gente doente como eu, e nós, juntas, aprenderemos a ser pobres de verdade, a pensar com cabeça de pobre, a economizar 20% de tudo que ganharmos e nunca mais comprar coisa alguma sem antes calcular quantas horas do nosso árduo trabalho escravo, em horário hermético estúpido, aquilo custa; e quantas vezes a gente tem vontade de mandar alguém à píula que o pariu no ambiente laboral nesse mesmo período. Assim, espero estar curada deste mal antes do Natal e do décimo terceiro, cuja metade adiantada já torrei em coisas inúteis. Como é típico de gente muito doente como eu.
Quem quiser participar das reuniões virtuais via MSN messenger do Consumidores Iludidos de Supérfluos Anônimos (CISA), mande sua ficha criminal, digo, sua história de consumidor consumista desembestado de classe média para vanorresponde@gmail.com. Seu relato será analisado por especialistas em classe de mediíte antes da incorporação ao grupo, pois o CISA, como entidade classista média, se reserva o direito de recusar pobres e ricos autênticos. Seu anonimato será preservado, mas sua história poderá ser usada neste blog como prova irrefutável de que eu não sou a única babaquara na face da Terra a sofrer dessa moléstia vexaminosa.
E tenho dito!
*Alterado graças ao comentário edificante da minha querida amiga Gabi Coutinho (uma das minhas revisoras favoritas, desde os tempos de Rural). Confesso que descobri, somente hoje, burra velha já, que a grafia correta de supérfulo é supérfluo, muito embora eu fale "supérfulo", como tem gente que fala "o pobrema é meu!", "estrupador" e "largatixa". Da mesma forma, aprendi há poucos anos que o correto é sobrancelha, e não sombracelha. Haverá cura pro meu mal (com éle, né)? Por que será que Tostines está (ou seria estão?) sempre fresquinho(s)? Fiquei muito insegura de repente (de repente junto ou separado? separado, separado, definitivamente separado!). Preciso fortalecer minha auto-estima urgentemente. Que o CISA não me ouça, mas preciso comprar um vestidinho.
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