Hipocondria e cão-guia
Confesso, sem muito orgulho, que sou um caso genuíno de hipocondria. Aliás, só confesso que sou hipocondríaca porque nós, pessoas que sabemos quando estamos doentes muito antes d'os médicos, temos uma vantagem evolutiva sobre as pessoas subneuróticas de outras naturezas: por termos a mente povoada por alertas a sintomas precoces de um tudo, desenvolvemos um raro instinto de sobrevivência que dificilmente nos deixa morrer antes dos 90 anos.
Fazendo uma fria análise retrospectiva de todas as vezes em que escrevi sofridas cartas de despedida a meus familiares e amigos antes de juntar coragem de ir ao médico para ver do que se tratava aquela tosse persistente -- sem dúvida, eu imaginava, uma manifestação respiratória de evolução sutil jamais descrita do Ebola --, concluí que a doença mais grave que tive foi alergia. Tão grave que quase me matou vinte vezes, mas, como hipondríaca confessa, não espero que isso impressione vocês agora.
O fato de minhas manifestações patológicas mais graves terem todas sido de cunho alérgico (não desprezem o poder de um camarão ou de um ácaro de poeira!) não me impede de servir de incubadora, vez por outra, de uma virose não letal enervante. Como esta agora que, de acordo com o oftalmologista que me viu em BH, o segundo que consultei em 4 dias, me carcomerá primeiro o olho esquerdo durante duas semanas, para depois reiniciar o ciclo no olho direito, sem que haja remédio eficaz contra a causa ou os sintomas. Ou seja: um mês de compressas frias, sem sombra, rímel ou delineador. Meu combalido sistema imune, assoberbado pelas reações histéricas desproporcionais a alérgenos que não fariam mal a uma mosca, vem lutando contra este adenovírus devorador de bulbos oculares desde setembro, quando tive um pequeno e breve surto, mas desta vez não houve jeito: nunca tive uma conjuntivite tão cruel. Minha vontade é ficar de olhos fechados o tempo inteiro, o que significa apenas vencer os 4 mm que restam abertos entre uma pálpebra edemaciada e outra quando arregalo aquilo que outrora era um grande olho castanho. Se eu não me adaptar aos óculos escuros em ambientes fechados, precisarei pegar um cão-guia emprestado até me recuperar completamente. O último médico garantiu, para meu alívio, que não se trata de herpes ocular, a única doença no mundo que me assusta mais que câncer. E eu não sei bem porquê.
Dentro deste contexto mezzo hipocondríaco, mezzo doente de verdade, agradeço a preocupação e o carinho de todos. Hipocondríacos, dizem, adoram chamar a atenção, mas como diria minha ária favorita duma ópera-rock composta no seio da família Carneiro:
Fazendo uma fria análise retrospectiva de todas as vezes em que escrevi sofridas cartas de despedida a meus familiares e amigos antes de juntar coragem de ir ao médico para ver do que se tratava aquela tosse persistente -- sem dúvida, eu imaginava, uma manifestação respiratória de evolução sutil jamais descrita do Ebola --, concluí que a doença mais grave que tive foi alergia. Tão grave que quase me matou vinte vezes, mas, como hipondríaca confessa, não espero que isso impressione vocês agora.
O fato de minhas manifestações patológicas mais graves terem todas sido de cunho alérgico (não desprezem o poder de um camarão ou de um ácaro de poeira!) não me impede de servir de incubadora, vez por outra, de uma virose não letal enervante. Como esta agora que, de acordo com o oftalmologista que me viu em BH, o segundo que consultei em 4 dias, me carcomerá primeiro o olho esquerdo durante duas semanas, para depois reiniciar o ciclo no olho direito, sem que haja remédio eficaz contra a causa ou os sintomas. Ou seja: um mês de compressas frias, sem sombra, rímel ou delineador. Meu combalido sistema imune, assoberbado pelas reações histéricas desproporcionais a alérgenos que não fariam mal a uma mosca, vem lutando contra este adenovírus devorador de bulbos oculares desde setembro, quando tive um pequeno e breve surto, mas desta vez não houve jeito: nunca tive uma conjuntivite tão cruel. Minha vontade é ficar de olhos fechados o tempo inteiro, o que significa apenas vencer os 4 mm que restam abertos entre uma pálpebra edemaciada e outra quando arregalo aquilo que outrora era um grande olho castanho. Se eu não me adaptar aos óculos escuros em ambientes fechados, precisarei pegar um cão-guia emprestado até me recuperar completamente. O último médico garantiu, para meu alívio, que não se trata de herpes ocular, a única doença no mundo que me assusta mais que câncer. E eu não sei bem porquê.
Dentro deste contexto mezzo hipocondríaco, mezzo doente de verdade, agradeço a preocupação e o carinho de todos. Hipocondríacos, dizem, adoram chamar a atenção, mas como diria minha ária favorita duma ópera-rock composta no seio da família Carneiro:
Carência afetiva
Quem é que não tem?
Procure direito
Você também tem!
PS: a família Carneiro tinha um labrador-humano chamado Marilyn Monroe of Mapple Leaf. Acabo de ler "Marley & eu", sobre um labrador desajustado de nome igualmente pomposo, que por sua vez me fez suspirar de saudades da heroína de "Os olhos de Emmma". Fecho os olhos e me vejo como uma ilha cega, cercada de cães-guias por todos os lados. Eu acredito no poder curativo da baba canina.
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