Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Como diria o TOM TABORDA... O Que Dizemos Nos Define!

Descobri, hoje, no blog da Cora que a Meg tinha publicado um texto genial e exclusivo do Tom Taborda sobre linhas editoriais. Juro que tentei não sentir inveja da Meg por ter tido o privilégio de publicar um Tom exclusivo, mas não houve jeito: eu sou humana, gente, e fiquei com aquilo na cabeça o tempo inteiro. Escrevi pra ele pedindo autorização pra publicar um texto exclusivo. Ele, que é um tímido de carteirinha, topou, pra minha surpresa.

Enjoy, guys. Não é todo dia que a gente tem essa sorte!


O Que Dizemos Nos Define
Tom Taborda
(27/01/04)



O modo com que uma determinada Cultura vê o mundo à sua volta se traduz perfeitamente pelas palavras que usa para nomeá-lo. Dizem que os esquimós têm algumas dezenas de palavras diferentes para o que chamamos simplesmente de 'neve'. Assim, para os puritanos ingleses, um animal quando vivo tem um nome e servido à mesa é rebatizado, para que o comensal sequer associe aquilo que come a qualquer coisa que caminhe, ou voe: o 'pig' vira 'pork', 'bird' vira 'poultry', 'flesh' vira 'meat' e 'raw' vira 'rare', quando para nós, o porco é porco, a ave é ave, a carne é carne e cru é cru. Com o quê nos regalamos, sem pudores.

E como é, portanto, que os americanos — esse povo reprimido, histérico e puritano a ponto de quase levar aos tribunais um garotinho que tascou um beijo numa coleguinha durante o recreio — podem pretender se arvorar como condutores da sexualidade e comportamento mundial? Vamos lá:

Para começar, não existe na língua inglesa equivalente para o nosso delicioso verbo 'namorar', que tem suas raízes em 'en-amor-ar', ficar 'cheio de amor', quer coisa melhor? Lá, as pessoas estão apenas 'se encontrando' (dating) e nada mais — Argh! —; logo, se não se namora, tampouco existe a(o) 'namorada(o)', que se torna a burocrática 'date', dizendo "ela é meu encontro"; ou o dúbio 'girl(boy)friend', onde termina a 'amizade' e começa o 'namoro'? A resposta, bem a calhar, depende do uso ou não do possessivo: se for dito "my girlfriend" é namorada, apenas "a girlfriend", amiga. E eles têm 'infatuation', que mais parece uma doença (e a consideram assim; aqui, podemos 'sofrer de amor', mas não elevamos à categoria nosológica), tipo 'flatulência' Quer coisa pior?

Aqui, o ritual da 'corte e acasalamento' tem tantas nuances, quanto nomes para as diferentes gradações e estágios: 'paqueramos', 'azaramos', 'ficamos', temos 'amizades coloridas', estamos 'juntos', 'noivos', 'vivendo juntos', ou 'casados'. Tudo com a malemolência e a imensa flexibilidade que também nos separa de nossos primos hispânicos que radicalizaram: para eles, uma singela 'namorada' já é a comprometedora 'novia', praticamente às portas do altar. Mas, voltando aos americanos: 'afagos' e 'carícias' sexuais recebem o nome de 'petting', que é algo a se fazer com seus animais de estimação (pets). Nosso gostoso 'beijo de língua', para eles é tão estrangeiro que é chamado de 'french kiss'.

Por outro lado, paradoxalmente na linguagem coloquial, o americano médio é um 'cu sentiente', um cu com uma pessoa em volta; ouvimos o tempo todo nos filmes: "get your ass outa here!", "move your ass!", ou "kiss my ass!" (que não é um convite lúbrico, mas um insulto!). De fato, o cu deles é tão importante que, enquanto nós 'puxamos o saco', eles enfiam os narizes no cu dos respectivos chefes, o denominado 'brownosing', um conceito graficamente expresso de forma absolutamente nojenta.

Uma amiga minha, tradutora, descobriu que não temos uma palavra para 'stalker', aqueles tarados compulsivos que se comprazem em intimidar suas vítimas, fazendo-as notar que eles estão sempre ali, ameaçadoramente observando-as. Isso não existe para nós, sequer temos um termo para eles. Mais uma vez, viva nós! Nossa alma latina e afro-lusitana.

Os xingamentos são também curiosíssimos: os dois piores envolvem a mãe, como aqui, mas de uma forma completamente diferente. O 'bastard' somente indica o status inferior do insultado, enquanto o nosso 'FDP' desmerece a 'santa mãe' do outro. Mas, considero bem mais curioso o pesadíssimo 'motherfucker', que só vejo três possibilidades: ou o insultado é um pai (e o xingado bem que podia retorquir "YOUR father is a motherfucker!"), ou transa com as mães vizinhas (e acrescentar, machistamente, "and MY father is even a more prolific motherfucker: he did yours!").

E um detalhe, nos arroubos verbais sexuais, é de um edipianismo/incestuosismo ridículo e freudianamente assustador: a invocação do 'daddy' (ela: "give it to me, daddy!"; ele: "who's your daddy?"). Eca!

Tem também o estranhíssimo 'pussy eater' ('comedor de buceta'), que ao invés de enaltecer o sujeito, o denigre justamente por agradar a mulher! Trazendo embutido o conceito que um homem se degrada ao fazer sexo oral com a mulher. Tudo na cultura americana indica que sexo oral é submissão, a começar pela expressão 'go down on'.

Mas, francamente, cá para nós: um povo que precisa de um artigo, publicado num dos mais visitados portais da Internet, ensinando "How to Deal With a Feeding Breast" ("Como Lidar com [a visão] de um Peito Amamentando"), ou que chama aquilo que pedimos como 'beijinho' ou 'chupetinha' de 'blow job' não tem nada a ensinar ao mundo a respeito de sexo, pois não entendem nada mesmo do assunto: além de tornar em 'job' o que deveria ser um prazer, até hoje, ainda não se deram conta que não se sopra (blow), mas se chupa (suck)!