Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, maio 16, 2007

Mordida no cérebro

Ontem foi aniversário de um ano do meu afilhado canino negão, o Black. Daisy, Raul, Black e eu comemoramos em grande estilo: primeiro brindamos com champagne. Depois, o Black e eu, que somos fracos pra bebida, ficamos meio altos e começamos a brincar de violência: eu latia, mugia, grunhia, gania e rosnava, e o já-adulto-mas-ainda-infantilóide Black apenas reagia proporcionalmente. Ou seja: com muita violência e descontrole motor. Enceramos todo o chão da casa da Daisy de tanto que rolamos no chão, e, num dado momento, quando eu estava completamente vulnerável, escondendo o rosto entre as mãos pra fazer algum barulho monstruoso estranho, o Black deve ter confundido minha cabeça com um coco e tentou arrancá-la do meu pescoço. Doeu um pouco na hora, mas eu estava tão engajada na brincadeira, que só parei de lutar com o aniversariante quando o porteiro interfonou pra pedir silêncio. Já passava das dez da noite, afinal. Uia.

Impossibilitados de continuar a latir em voz alta, resolvemos continuar a farra de aniversário no melhor restaurante dog-friendly gourmet do Rio: a carrocinha de podrão do Humaitá. O Black já tinha jantado em dobro, naquela noite, mas nós, não. Pedimos um cachorro quente em homenagem ao aniversariante e deixamos cair, "sem querer", várias ervilhas, ovos de codorna e fiapos de batata palha justo na boca do canino. Foi uma festa muito alegre. A Daisy me perguntava se ele tinha consciência de que estávamos comemorando seu aniversário. Como eu tinha sofrido uma mordida no cérebro e estava com o córtex racional -- parte do encéfalo onde moram Tico e Teco, meus dois únicos neurônios -- deveras babado e mastigado, eu às vezes dizia que sim, às vezes dizia que não. Não consigo, no entanto, me lembrar das explicações que dei, se é que dei alguma.

Hoje acordei com o cocoricó de um galo pontiagudo, do tamanho de um canino-canino. Senti, pela dificuldade com que me levantei, que estava com o SNC irreversivelmente seqüelado. Depois dessa mordida cerebral eu sei que nunca mais serei a mesma pessoa. Tenho a forte impressão de que estou mais ridícula e possivelmente dotada de superpoderes, o que pode ser apenas o quadro inicial da Síndrome da Mordida Cerebral Canina, um mal que aflige sete em cada três veterinários ridículos distraídos ou confiantes em excesso.

À medida que minha doença neurológica for evoluindo, irei relatando pra vocês o que sente, pensa, sofre e espera da vida um paciente mordido-cerebral-terminal, pelo menos enquanto a encefalite purulenta supurante permitir que eu continue me sentando ao computador sem babar ou morder o teclado. De antemão, já posso recomendar: não tentem fazer isso [sofrer uma contusão perfurante canina no crânio] em casa. No meu lugar, muita gente já teria ido ao Copa D'Or pra fazer um transplante de cabeça; por sorte, no entanto, os estagiários recém-formados de lá ainda são tementes a Deus, de forma que todos os mordidos sairiam da emergência mais querida da zona sul resignados, com uma receitinha de Pomada Minancora e vitamina C.


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Eu disse sete em cada três veterinários? Deve ser a febre.

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