Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sábado, outubro 20, 2007

Mamã vai às compras

E acaba de voltar, trazendo notícias do front. Supermercado de classe média, hoje em dia, é uma verdadeira batalha: pessoas se gudunham, lutam pelo último iogurte light dentro da validade, fazem escândalo quando tem alguém com 11 itens na fila de 10 dez itens, e por aí vai.

Quero deixar bem claro que, quando eu digo classe média, não me refiro àqueles que ainda podem comprar produtos orgânicos superfaturados, e sim aos que sabem que se não enfrentarem a guerra do Mundial, que não é segunda nem primeira, mas mensal, não fecham as contas do mês.

Pois la mia mamma foi fazer as compras do mês com meu pai, que queria poupá-la do sufoco, mas ela sabe que mais vale ter quatro pernas que duas na corrida pelos melhores preços (e na hora de chutar algum escrotinho que arme barraco naquele cenário de guerra e horror). E voltou 'inda agora, contando dos atropelamentos, dos palavrões e de otras cositas más que revelo aqui:

Bunda larga

Em supermercado popular, os corredores são estreitos. Se uma criatura estaciona seu carrinho a 10 cm da gôndola enquanto lê, com a maior dificuldade e o apoio de óculos de leitura de camelô o texto em fonte 5 das embalagens, obriga todos os demais clientes a lhe tirarem um sarro da bunda. Ou a esperarem que termine a leitura, mas bem se sabe que a paciência não é uma virtude da classe média. Minha mãe, ao perceber que seu delicado e insistente "com licença" não surtia efeito na bunda míope obliterante, urrou com toda a força de suas entranhas: "COM LICENÇA!!!", e empurrou a barreira formada por carrinho e bundão com toda a falta de delicadeza pra cima da gôndola, derrubando latas, provocando fraturas expostas e trazendo atrás de si uma horda enfurecida (e aliviada), que estava há tempos querendo fazer o mesmo, mas sem muita coragem pra isso.

A classe média ainda está muito tímida pra ser pobre em algumas coisas.


Fila de idosos

Meus pais estavam na décima oitava posição da fila de idosos. Na verdade, meu pai será oficialmente um idoso só no dia 3 de novembro, mas fiado em seus cabelos brancos, entrou na fila menorzinha, a fila das minorias. Aí um velhinho, mas bem velhinho mesmo, cutuca a minha mãe e aponta a placa com o queixo: "Atendimento preferencial para gestantes, portadores de deficiências e idosos".

O coitado podia ter cutucado o meu pai, que é bem mais doce, mas tinha (tinha, meu Deus!) de importunar minha mamma, que tem sangue quente. E ela disse, aos berros: "E VOCÊ ACHA QUE EU TENHO QUANTOS ANOS? EU PINTO O CABELO, USO CREMES E ME CUIDO, MEU FILHO. PRA SER IDOSA EU NÃO TENHO DE SER VELHA E ACABADA QUE NEM VOCÊ! VÊ SE TE ENXERGA!"

Fez-se silêncio no supermercado. Os lutadores estavam todos exaustos, e meus pais venceram o último round por mérito e pontos -- afinal, não é nada fácil fazer compras do mês --, senão teria dado empate. No final das contas (e das compras), também não é nada fácil ir à guerra quando se é idoso, surdo e míope.