Profilaxia de assalto
Contei pro meu pai que uma amiga virou estatística esta semana ao ser obrigada a passar carteira, bolsa e anel num sinal da vida e que, em seu relato do crime, me chamou a atenção o fato d'ela ter dito que o bandido portava uma pistola, portanto não havia nada que pudesse ser feito para evitar o assalto. Depois de ouvir meu relato angustiado do causo - ó, então minhas pessoas queridas realmente têm o impulso da reação, isto é horrível! -, pro meu choque e horror, meu pai confessou que recentemente também reagiu a um quase assalto.
Estava ele ali, esperando um ônibus tarde da noite na Presidente Vargas, uma avenida cujos únicos transeuntes depois das 22h são os bandidos vivos, as almas penadas da chacina da Candelária e uma meia dúzia de vítimas potenciais, entre as quais os moradores de rua e o pai'Or, cuja cabeça completamente branca, aliada à baixa estatura, costuma atrair 11 em cada 10 trombadinhas. Pois vendo que dois camaradas em atitude completamente suspeita cruzavam a avenida em sua direção, ele jogou os livros e o jornal que carregava no chão, tateou os bolsos simulando a busca nervosa de algo, levou as mãos ao alto gesticulando muito e começou a gritar: "MERDA, MERDA, MERDA! MIL VEZES MERDA!" Olhei pro meu pai impressionada, perguntei sua intenção com aquilo, e ele explicou: ninguém se aproxima de uma pessoa nervosa e de temperamento descontrolado, nem mesmo os ladrões. Tanto foi, que os suspeitos deram meia volta e sumiram entre as almas penadas, no ninho da escuridão.
Essa lógica me deixou tão impressionada que não tive como não me imaginar na mesma situação, reagindo a um assalto iminente. Se eu tivesse de gritar alguma coisa pra assustar o ladrão, gritaria "IÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!", saltaria em posição de combate e xingaria coisas inomináveis em japonês - it, nit, san, xi, go - pro ladrão pensar que eu estou possuída por uma variedade agressiva e delirante de pombajira ninja.
É claro que eu jamais faria uma coisa dessas, até porque sou péssima atriz e correria o risco de rir de mim mesma no meio da cena, mas é divertido imaginar que é possível reverter contra nossos algozes uma pequena parte do medo que eles nos infligem para faturar facilmente algo que nos custou muito suor. Seria muito bom se, na hora de votar, a gente pudesse deixar registrado na cédula eletrônica nossos gritos de "MERDA, MERDA, MERDA, MIL VEZES MERDA!" para que esses bandidos do colarinho branco pensem duas mil vezes antes de enfiar ainda mais a mão em nosso bolso sob a falsa alegação de que não arrecadam o suficiente para garantir nossos direitos constitucionais.
Do jeito que a coisa vai, se a gente não começar a gritar agora, não nos restará mais nada.
Estava ele ali, esperando um ônibus tarde da noite na Presidente Vargas, uma avenida cujos únicos transeuntes depois das 22h são os bandidos vivos, as almas penadas da chacina da Candelária e uma meia dúzia de vítimas potenciais, entre as quais os moradores de rua e o pai'Or, cuja cabeça completamente branca, aliada à baixa estatura, costuma atrair 11 em cada 10 trombadinhas. Pois vendo que dois camaradas em atitude completamente suspeita cruzavam a avenida em sua direção, ele jogou os livros e o jornal que carregava no chão, tateou os bolsos simulando a busca nervosa de algo, levou as mãos ao alto gesticulando muito e começou a gritar: "MERDA, MERDA, MERDA! MIL VEZES MERDA!" Olhei pro meu pai impressionada, perguntei sua intenção com aquilo, e ele explicou: ninguém se aproxima de uma pessoa nervosa e de temperamento descontrolado, nem mesmo os ladrões. Tanto foi, que os suspeitos deram meia volta e sumiram entre as almas penadas, no ninho da escuridão.
Essa lógica me deixou tão impressionada que não tive como não me imaginar na mesma situação, reagindo a um assalto iminente. Se eu tivesse de gritar alguma coisa pra assustar o ladrão, gritaria "IÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!", saltaria em posição de combate e xingaria coisas inomináveis em japonês - it, nit, san, xi, go - pro ladrão pensar que eu estou possuída por uma variedade agressiva e delirante de pombajira ninja.
É claro que eu jamais faria uma coisa dessas, até porque sou péssima atriz e correria o risco de rir de mim mesma no meio da cena, mas é divertido imaginar que é possível reverter contra nossos algozes uma pequena parte do medo que eles nos infligem para faturar facilmente algo que nos custou muito suor. Seria muito bom se, na hora de votar, a gente pudesse deixar registrado na cédula eletrônica nossos gritos de "MERDA, MERDA, MERDA, MIL VEZES MERDA!" para que esses bandidos do colarinho branco pensem duas mil vezes antes de enfiar ainda mais a mão em nosso bolso sob a falsa alegação de que não arrecadam o suficiente para garantir nossos direitos constitucionais.
Do jeito que a coisa vai, se a gente não começar a gritar agora, não nos restará mais nada.
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