A coLáleta de sangue
Uma das vantagens de se ter uma babá super-qualificada e hipocondríaca é justamente o diagnóstico precoce de algumas doenças. A Lála não tem como saber disso porque é apenas um cachorro; não bastasse ser um cachorro, é também um poodle, uma das raças mais sócio-politicamente alienadas que há. Para preservar sua inocência e mantê-la ignorante de minha identidade secreta de médica veterinária, terceirizei a um enfermeiro do CAD a suja tarefa de furar seu bracinho encaroçado para a coleta sangue de um check-up de rotina. Ele chegou, lavou as mãos e perguntou se o cachorro mordia. Respondi, entre dentes, que cachorro que ladra não morde e pensei, cá com meus botões, que nenhuma pessoa que lide rotineiramente com animais dotados de dentes deveria fazer uma pergunta estúpida dessas, porque, afinal, pega muito mal. Todo animal dotado de boca e dentes morde, ora bolas, basta que para isto a boca se abra e feche sobre o objeto mordido.
Posicionamos a Lála sobre meu colo no sofá, ele sacou da maleta aquela borrachinha de garrote e, quando apertava o laço sobre o bracinho não-encaroçado da menina, noto um convulsionar de corpos, um recuo do homem e ouço um pífio "ai".
- Ela me mordeu, o moço disse.
Pedi pra ver o local da mordida, analisei bem a situação e decretei:
- Não, ela não mordeu: ela bicou. É diferente. Mordida sangra ou, no mínimo, fica com a marquinha dos dentes. Ela só te bicou pra te alertar que preferiria que você não a tocasse. Vou ter um particular com ela, me dê só um segundo.
Tive meu particular com a Lála. Porque ela estava agitada, precisei lançar mão de um recurso extremo, o doguitos, para que ela se concentrasse 100% nas coisas importantes que eu tinha pra lhe dizer:
- O mosquito, que não é da dengue, e mesmo que fosse não te contaminaria, vai te picar aqui no bracinho. Você vai levar um susto, mas será um susto rapidinho, a gente vai ficar paradinha por 60 ou 90 segundos, e depois eu vou te dar esse doguitos aqui (e talvez mais um), a gente vai passear e daqui a dez minutos ninguém vai se lembrar desse episódio.
Não foi tão simples assim: precisamos chamar a Fabiana, minha diarista, pra segurar os pezicos da Lála que se agitavam no ar. Ela ainda tentou bicar o enfermeiro algumas vezes, mas na quarta tentativa o sangue saiu, ele encheu alguns tubos, e fomos felizes para sempre.
Alguns minutos depois, quando eu e minha protegida caminhávamos ao sol da meia estação, comecei a gargalhar alto, rindo sozinha da minha cara-de-pau encerada e lustrosa, que livrou, ao mesmo tempo, não só o enfermeiro de uma mordida no exercício da função, como a minha própria mão d'uma bicada e a Lála do estigma de cão feroz mordedor de coletores de sangue e quetais. Poodles são tão fofos que deveriam ficar longe de qualquer tipo de estatística.
Posicionamos a Lála sobre meu colo no sofá, ele sacou da maleta aquela borrachinha de garrote e, quando apertava o laço sobre o bracinho não-encaroçado da menina, noto um convulsionar de corpos, um recuo do homem e ouço um pífio "ai".
- Ela me mordeu, o moço disse.
Pedi pra ver o local da mordida, analisei bem a situação e decretei:
- Não, ela não mordeu: ela bicou. É diferente. Mordida sangra ou, no mínimo, fica com a marquinha dos dentes. Ela só te bicou pra te alertar que preferiria que você não a tocasse. Vou ter um particular com ela, me dê só um segundo.
Tive meu particular com a Lála. Porque ela estava agitada, precisei lançar mão de um recurso extremo, o doguitos, para que ela se concentrasse 100% nas coisas importantes que eu tinha pra lhe dizer:
- O mosquito, que não é da dengue, e mesmo que fosse não te contaminaria, vai te picar aqui no bracinho. Você vai levar um susto, mas será um susto rapidinho, a gente vai ficar paradinha por 60 ou 90 segundos, e depois eu vou te dar esse doguitos aqui (e talvez mais um), a gente vai passear e daqui a dez minutos ninguém vai se lembrar desse episódio.
Não foi tão simples assim: precisamos chamar a Fabiana, minha diarista, pra segurar os pezicos da Lála que se agitavam no ar. Ela ainda tentou bicar o enfermeiro algumas vezes, mas na quarta tentativa o sangue saiu, ele encheu alguns tubos, e fomos felizes para sempre.
Alguns minutos depois, quando eu e minha protegida caminhávamos ao sol da meia estação, comecei a gargalhar alto, rindo sozinha da minha cara-de-pau encerada e lustrosa, que livrou, ao mesmo tempo, não só o enfermeiro de uma mordida no exercício da função, como a minha própria mão d'uma bicada e a Lála do estigma de cão feroz mordedor de coletores de sangue e quetais. Poodles são tão fofos que deveriam ficar longe de qualquer tipo de estatística.
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