Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, setembro 04, 2008

O povo do ghetto mandou avisar.

OK, reconheço que estou atrasada, mas para meu choque e horror, acabo de saber que o Brasil ganhou apenas prata e bronze olímpicos no futebol. Oh, fuck it! Perdemos pros argentinos, e isso é que me mata: pros argentinos, cara! A gente podia ter perdido pros chineses, não ia doer tanto, mas pros argentinos, mermão, isso sim, machuca. E no futebol feminino, apesar da Marta, apesar da de toda genialidade da Marta, a gente perdeu pras americanas. Isto, sim, é humilhação. A partir de amanhã, só saio na rua de peruca e bigode. Ninguém em Astoria pode ousar suspeitar que eu possa, porventura, ser do Brasil, o país dos jogadores incríveis que nunca chegam lá. Num bairro com tantos brasileiros nacionalistas acima da média (porque brasileiro só costuma amar o Brasil quando no exílio), isto me mataria.

Astoria é um bairro de NYC, como dizer isso sem soar perversa?, meio deslocado da moda. Eu poderia dizer cafona, mas aí eu seria não apenas perversa, como também anti-flamengo, anti-catete, anti-santa-teresa e anti-imigrantes, o que, em última instância, me tornaria uma pessoa anti-imigrante e, portanto, impoliticamente incorreta, o que corresponde à pior das heresias na Nova York da mão-de-obra ridiculamente barata.

Desde que cheguei, eu, que sou uma esponja de sotaques, assisti tanto Dog Whisperer na TV e ouvi tantos mexicanos e porto-riquenhos falando algo parecido com o inglês que adquiri um sotaque genuinamente hispano. Eu, que passei 11 anos estudando na Cultura Inglesa, que fui pra Inglaterra estudar inglês britânico, que nunca achei que pudesse trocar meu sotaque highly-educated-British por qualquer outra merda, agora estou falando um inglês tão totalmente gueto que o staff da Starbucks tenta me responder em espanhol. Em vez de me estressar com isso, até porque estou proibida de me aborrecer, resolvi assumir minha condição terceiro mundo e agir de acordo. Então quando eles dizem "si", eu digo "si, claro", e quando eles dizem "quieres?", eu digo "si, si, cariño, quiero mucho". O Ken fica inocente nessas horas, e é melhor que ele fique assim, porque só quem é do gueto realmente se entende.

Desde que eu me assumi gueto, tenho tentado convencer outras pessoas de que elas, também, são gueto. Vocês sabem, talvez duas ou três outras pessoas no mundo inteiro não sejam gueto, e uma deles seria a Gisele Bündchen. Eu acho que o gueto é uma condição normal do ser humano, e ninguém devia ter vergonha disso. Eu não tenho, mas a maioria das pessoas não gosta da idéia de ser gueto. Assumi tanto minha condição terceiro mundista que me recuso a perder um centímetro de bunda em terra estrangeira, por uma questão guetoística de orgulho nacional. Eu posso até emagrecer em solo brasileiro, mas no exterior jamais! Tenho uma bunda e um orgulho gueto-nacionalista a preservar.

Tentei explicar pro Ken que a Ivete Sangalo, nossa embaixadora da axé music, até eternizou um semi-hino nacional mencionando nossa identidade guetoística, aquela que diz que "e vai rolar a festa, vai rolar, o povo do gueto mandou avisar", e ele ficou muito impressionado, porque entende que nenhuma nação deveria se deixaria classificar "gueto" assim, tão fácil e levianamente. Mas depois que ele viu a ilha de Caras no Mar do Little Brazil, ele começou a acreditar em mim. E por mais que eu pense que talvez tenha exagerado, que talvez o Brasil não seja tão gueto assim, acho que é melhor que eles, os "civilizados", pensem que nós somos um povo primitivo de instintos baixos. Talvez assim eles tenham realmente medo de nos pisotear. Duvido muito, mas não custa tentar. Quem tem medo de terrorista, tem medo de qualquer outra coisa.