Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sábado, junho 20, 2009

Baggage

Ao se despedir, ele lhe implorou com olhinhos infantis: "Liga pra mim? Eu tenho seu telefone e poderia te ligar, claro, mas quero que você me ligue quando quiser me encontrar de novo." Estava vulnerável de um jeito terno, exatamente como ficam as pessoas quando amam de repente e, pra piorar sua fragilidade, ela lhe deu as costas subitamente para levar o telefone à orelha e dizer "alô" sofregamente, como quem atende uma chamada importante. Embora fosse um rapaz alto, aquela breve intermissão de sua despedida amorosa deu conta de subtrair dois palmos de sua estatura, fazendo-o parecer pequeno e jovem demais ali, parado na calçada ao lado da mulher amada que acabara de lhe dar as costas. Seu telefone, então, toca. Era ela:

- Estou morta de saudades, quero te ver de novo!

- Mas, meu amor... Eu estou aqui, a 30 centímetros de você.

Ela então se vira e, com o celular ainda grudado à orelha, olhando em seus olhos, diz: "Talvez sejam 30 cm em linha reta, mas você não está levando em consideração a montanha de passado e os picos nevados de medo que eu ainda tenho de escalar pra chegar até você.

"Pois se eu estou aqui, ao seu lado, e ainda assim existe essa distância toda entre nós, eu só posso achar que foi você quem subiu de propósito as barreiras que, embora invisíveis, transformam em quilômetros o tantinho de nada que impede o meu sangue de se misturar ao seu."

Entregaram-se a um abraço líquido e pesado, como se uma cordilheira inteira, com picos nevados e tudo, pairasse sobre suas cabeças. Ele quebrou o silêncio com um sussurro lânguido:
- Me ajuda a escavar um túnel?
Mas ela não tinha tempo pra túneis, tudo seu era pra ontem e pra já. Sugeriu que ele simplesmente implodisse aquela montanha toda, afinal era completamente inútil, mas foi ela dizer isso que a montanha só fez crescer mais um pouco. Ela não entendia, e nem podia entender, que o passado não é uma mala que nos damos ao trabalho de fazer e carregar, ela simplesmente se faz sozinha e se algema à nossa alma, e por isso a carregamos mesmo sem querer.

Às vezes eu penso que seria bom abrir mão da alma pra perder essa bagagem. Há muitas coisas que eu gostaria de perder.

"Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma."(Bandeira)