Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, junho 11, 2009

Da falta de assunto

Eu poderia escrever sobre Budapeste, que eu acabo de ler pela terceira vez, e de como eu sempre me encanto com a forma que o Chico encontrou de transformar a linguagem, ao mesmo tempo, em objetivo dramático, personagem, mulher amada e substância etérea pela qual o ego se volatiliza com o alterego. Mas acho isso óbvio demais.

Poderia dizer que acho mortífera a forma como os noticiários esmiuçam o trabalho de resgate e reconhecimento dos corpos provenientes do acidente com o airbus francês, abordando desde o esquema especial de trânsito nas proximidades do IML, até detalhes técnicos da perícia médica que nos fazem pensar, já no início do dia, não na fragilidade da vida, porque isso é clichê, mas na fragilidade da identidade humana. Passamos grande parte da vida sem saber quem somos e, quando morremos, sobretudo se nossos cadáveres forem dar ao mar, também podemos passar boa parte da morte sem saber quem somos. Mas acho este assunto mórbido demais. Existencialista demais.

Poderia falar de como troquei os médicos de pronto-socorros, que invariavelmente têm doze anos de idade, pelo autodiagnóstico e, claro, pela automedicação, mas não trataria desse assunto sem saber ao certo se fico feliz por ser uma boa veterinária de mim mesma ou se triste por ser apenas mais uma vítima na mão de profissionais desmotivados (por todos os motivos tristes que levam uma criatura a esse estado de abandono).

Também poderia dizer que entre a tua casa e a minha há uma ponte de estrelas, mas disso já falou Mário Quintana, e quando penso em todas as coisas belas que já foram ditas por todos os poetas, chego a pensar, com um certo enfado, que é chegada a hora de inventarem novas coisas belas, pois acumula-se um excesso de exaltações poéticas para as antigas. É como olhar pra lua cheia com a vã esperança de que haja qualquer coisa de novo a se dizer sobre ela, sobre como ela parece ter olhos, e como esses olhos parecem nos fitar com pena, se não pela falta de ineditismo lírico, certamente por nossa falta de assunto.

Porque não há nada de novo sob a luz da lua.

PS: e por falar em falta de assunto, o jornal acaba de anunciar, em edição extraordinária, que as correntes marinhas nos locais de busca do AF447 deslocam corpos e destroços a 1 km/h. Só faltou dizer se os resgatadores sabem (ou não) pra onde, que é só isso que a gente quer saber, afinal.