Na pele dos animais
Imagem enviada por e-mail pelo Zé, um gato sem casaco de couro.
Uma vez eu solicitei o kit de iniciação ao vegetarianismo do People for the Ethical Treatment of animals (PETA). Pouco tempo depois, recebi em casa a revista Animal Times, contendo receitas vegetarianas, propaganda de produtos vegan e fotos de atrizes ecologicamente corretas; alguns adesivos contra o KFC, que cria frangos para fritura em condições absolutamente tenebrosas; um bumper sticker do PETA; e um DVD contendo um video clipe de seis minutos com 20 motivos para uma pessoa deixar de comer carne. Assisti o DVD e entrei imediatamente em depressão. O filme mostrava imagens de abatedouros e granjas, slogans veganos que grudam no cérebro e vegetarianos bonitos que parecem ter a vitalidade, a inteligência e a superioridade que uma pessoa que come carne jamais vai alcançar. Enfim, o filme me fez sentir um cocô.
Obviamente, passei 3 dias sem comer carne depois disso e, pra tentar melhorar o mundo ao meu redor, mostrei o DVD pros carnívoros dos meus pais - meu pai assistiu a contragosto, sentado na pontinha do sofá, e fazia menção de levantar toda vez que entrava uma imagem mais apelativa; mas nosso acordo era que ele assistiria até o fim, o que ele fez só pra me dizer com propriedade, conhecimento de causa e o desprezo, que lhe é característico, que eu vivo no mundo fantástico de Oz. Ok, eu vivo mesmo. Exatamente por isso comprei minhas pastas de soja pra não comer o cottage "deles", meu leite de soja pra não tomar o "deles", e por aí vai. Como eu disse, essa divisão da geladeira em um território ecologicamente correto e um incorreto durou 3 dias, durante os quais eu pensei seriamente em me desfazer de cintos, bolsas e sapatos de couro, mas desisti quando lembrei que minha carteira é de couro, e que ela já me foi roubada e devolvida duas vezes, então não dá pra descartar assim um item só porque ele é de couro. Sobretudo se ele GOSTA de mim.
Achei uma droga ver o quão limitada pode ser a coerência de uma pessoa. Eu amo animais, mas não posso evitar que eles morram pra dar de comer, beber e vestir ao mundo. Posso, sim, sair por aí falando mal da Animale sempre que possível, porque a Animale vende roupas feitas com peles de animais (e ainda põe na etiqueta a absurda mensagem: "por ser feito com peles naturais de animais, este produto pode sofrer variações de coloração"). Posso preferir uma marca de cosmético que não faça teste em animais, embora seja extremamente complicado manter-se atualizado sobre essas multinacionais que se compram, fundem e vendem todos os dias. Posso ensinar pros meus alunos de inglês que o chester, embora usado em dietas light, é um frango deformado geneticamente pra ter um peito enorme, e o peito fica tão enorme que as perninhas das aves geralmente não aguentam sustentar o corpo, culminando com fraturas espontâneas de fêmur (e eu roubo 2 minutos da aula de inglês pra desenhar a fratura e a cara de sofrimento do frango), e ficam vivendo com uma dor inimaginável até a hora do abate. Posso chorar alto num restaurante sempre que o garçom trouxer patê de foie gras à mesa, e dizer aos soluços, pra sensibilizar a gerência e o estúpido do chef, como se eles não soubessem, que foie gras é feito com requintes de crueldade, que toneladas de comida são socadas no estômago da ave até que ela tenha lipidose hepática, que é uma sentença de morte dolorosa. E posso, obviamente, parar de comer carne, leite, manteiga, queijo, vestir lã, etc, mas isso tudo dá muito trabalho e, como eu sou preguiçosa, sigo adiando.
Outro dia vi, na mesma rua, um casaco com gola de chinchila à venda e um chinchila de estimação no colo de sua dona. A moça me deixou segurar o bichinho e eu senti o coraçãozinho dele disparar em minha mão: impossível não associar coração disparado a sentimento. Nessa hora, lembrei do dia em que vi na Bloomingdale's um casaco de pele de chinchila que ia até o chão. Diante daquela estupidez em forma de roupa, no chão da loja me sentei, enfraquecida de tristeza, e comecei a chorar ao pensar em quantas dezenas de bichinhos foram mortos pra vestir uma perua burra, vazia e esganiçada.
Ser contra casaco de pele no Brasil pode até parecer ideologicamente supérfulo, mas quem vê vitrines todos os dias sabe que as peles estão invadindo nossa moda um pouquinho mais a cada inverno: nas golas, nos punhos, nos acessórios. É a globalização da monstruosidade.
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