Mundo cão
Passei dois anos trabalhando no hospital onde fica o cemitério de pequenos animais da prefeitura do Rio, mas nunca quis visitar as sepulturinhas. Alguns animais que eu tinha tratado com enorme carinho e que, a despeito disso, morreram, acabaram sendo sepultados naquele mesmo cemitério. Muitos dos seus donos chegaram a me convidar para o enterro, mas eu sempre declinava polidamente, como sempre declino de convites a enterros em geral. Em toda a minha vida, só pisei em um cemitério (humano), aos 10 anos, quando minha avó me visitou em Brasília e queria companhia pra visitar JK, com quem tinha uma enorme dívida de gratidão, em seu túmulo na capital federal. Quando minha avó, por sua vez, morreu, eu fiquei ao lado da minha família até o final do velório. Quando o cortejo adentrou o cemitério, meu território proibido, não consegui respirar aquele ar de tumba, minha personal kriptonita, e voltei pra casa, envergonhada de minha fraqueza.
Pois eis que, por uma dessas agruras do destino, eu terei de lidar profissionalmente com esses assuntos de sepultamento e cremação de animais na prefeitura do Rio. Por conta disso, fui ao cemitério pra ver como andava aquele setor e levantar idéias para melhorar o serviço. Passeei pelas sepulturas, li alguns epitáfios solenes e chorei com os mais tristes; pensei na dor enorme que é perder um grande amigo, seja ele peludo ou não; senti na pele a perda de tanta gente por suas Xuxas, Pinks e Nicks que não mais abanam o rabinho entre nós. E, obviamente, fiz um minuto de silêncio sentido pela nuvem negra que atravessou minha mente quando pensei que, dentro de alguns anos, poderão ser os corpos de meus peludos, e não daqueles ilustres desconhecidos, a estar escondidos por trás daquelas frias placas de concreto.
Ontem eu soube que um amigo muito querido, cuja peluda adorada padece de uma moléstia dolorosa e letal já em estado avançado, terá de passar pela dura tarefa de escolher um dia para abreviar o sofrimento de sua gatinha e, como se eufemiza em inglês, pô-la para dormir para sempre. Se esse meu amigo tivesse a minha idade, eu já não saberia bem o que lhe dizer. O fato de ele ter idade para ser meu filho me emudece ainda mais, pois o que se diria prum filho numa hora dessas? Que Deus sabe o que faz, ou alguma outra dessas bobajadas que adultos repetem mecanicamente uns aos outros nos piores momentos de dor? Eu sinto um ódio tremendo de Deus quando me dizem que Ele sabe o que faz ao arrancar de nosso convívio quem mais amamos, mas sinto mais raiva ainda das pessoas que desconhecem que palavras são de prata e o silêncio é de ouro.
Eu acabei dizendo pro meu jovem amigo as coisas que um veterinário diz por força do ofício: que essa doença é cruel e incurável, que evolui de forma dolorosa, e que a eutanásia, em casos assim, é um ato humanitário de amor. Mas minha vontade era, como naquele filme dos Trapalhões que me fez tanto chorar na infância, derramar sobre a gatinha um pozinho azul mágico que lhe restituiria milagrosamente a saúde e a energia vital. E assim, ganhar alguns anos pra pensar melhor em como explicar a um menino que, não importa o que façamos, o mundo é mau. E as coisas boas são todas finitas.
Pois eis que, por uma dessas agruras do destino, eu terei de lidar profissionalmente com esses assuntos de sepultamento e cremação de animais na prefeitura do Rio. Por conta disso, fui ao cemitério pra ver como andava aquele setor e levantar idéias para melhorar o serviço. Passeei pelas sepulturas, li alguns epitáfios solenes e chorei com os mais tristes; pensei na dor enorme que é perder um grande amigo, seja ele peludo ou não; senti na pele a perda de tanta gente por suas Xuxas, Pinks e Nicks que não mais abanam o rabinho entre nós. E, obviamente, fiz um minuto de silêncio sentido pela nuvem negra que atravessou minha mente quando pensei que, dentro de alguns anos, poderão ser os corpos de meus peludos, e não daqueles ilustres desconhecidos, a estar escondidos por trás daquelas frias placas de concreto.
Ontem eu soube que um amigo muito querido, cuja peluda adorada padece de uma moléstia dolorosa e letal já em estado avançado, terá de passar pela dura tarefa de escolher um dia para abreviar o sofrimento de sua gatinha e, como se eufemiza em inglês, pô-la para dormir para sempre. Se esse meu amigo tivesse a minha idade, eu já não saberia bem o que lhe dizer. O fato de ele ter idade para ser meu filho me emudece ainda mais, pois o que se diria prum filho numa hora dessas? Que Deus sabe o que faz, ou alguma outra dessas bobajadas que adultos repetem mecanicamente uns aos outros nos piores momentos de dor? Eu sinto um ódio tremendo de Deus quando me dizem que Ele sabe o que faz ao arrancar de nosso convívio quem mais amamos, mas sinto mais raiva ainda das pessoas que desconhecem que palavras são de prata e o silêncio é de ouro.
Eu acabei dizendo pro meu jovem amigo as coisas que um veterinário diz por força do ofício: que essa doença é cruel e incurável, que evolui de forma dolorosa, e que a eutanásia, em casos assim, é um ato humanitário de amor. Mas minha vontade era, como naquele filme dos Trapalhões que me fez tanto chorar na infância, derramar sobre a gatinha um pozinho azul mágico que lhe restituiria milagrosamente a saúde e a energia vital. E assim, ganhar alguns anos pra pensar melhor em como explicar a um menino que, não importa o que façamos, o mundo é mau. E as coisas boas são todas finitas.
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