A palavra com a letra P
Quando o Povo Brasileiro veio morar conosco, o pobrezinho era muito doente, e nada parecia animá-lo. Como era um cachorrinho de rua e eu ainda não tinha chegado a nenhuma conclusão sobre seu caráter, ou sobre a probabilidade d’ele me morder, na hora de me aproximar com a coleira e a guia, eu fazia um carnaval e vendia a idéia do passeio na coleira como a coisa mais fantástica do universo. Era crucial que ele gostasse de passear, mesmo doente, senão ele faria cocô e xixi em casa; e, se fizesse, minha mãe o despejaria. Então, passeamos dez vezes por dia nos primeiros dias, e a cada vez que eu pegava a coleira, repetia o mesmo carnaval e o mesmo convite, com voz de palhaço Carequinha: Vamos no passeeeeeeeeeiô?!?
Como cachorro inteligente que é, o Povo nunca se aliviou em casa e logo entendeu que a palavra “passeio” era a senha para a abertura de um portal que o levaria ao ar livre, gramas frescas e um buquê de outros aromas instigantes. Se alguém chegasse em casa tarde e perguntasse, sobre o cão, "Quando foi o último passeio?", seria obrigatório que houvesse outrem (invariavelmente eu!) de prontidão e tênis para passear com o cão, ainda que ele tivesse acabado de chegar de uma caminhada de duas horas. A simples pronúncia da palavra o agitava de tal modo, que temíamos (eu temia) que seu coração fosse entrar em extra-sístole de agonia. O Povo era incansável para passeio, e isso nos fez abolir essa palavra de nossas conversas. Passamos a nos referir a ela (a palavra proibida, que assanhava o cão rueiro) como “a palavra com a letra P”, expressão que sussurrávamos entre os dentes, assoviando e olhando pro teto, a fim de despistar o cão. Mesmo assim, não houve jeito: ele, metendo aquele focinho cheio de bigode na conversa da gente, logo entendeu que “a palavra com a letra P” era a nova senha para a abertura do portal que o levaria a bla bla bla. Foi assim que tivemos de dar ao Povo um sítio pra chamar de seu, pois um cão incansável para aquela palavra com a letra P, precisa se nãnãnã sozinho. E ele continua se nãnãnando sozinho, e nós continuamos proibidos de pronunciar a palavra com a letra P.
Moral da estória: Nunca ensinem um cão a tiranizar seu dono, pois ele aprende rápido e não esquece jamais.
Como cachorro inteligente que é, o Povo nunca se aliviou em casa e logo entendeu que a palavra “passeio” era a senha para a abertura de um portal que o levaria ao ar livre, gramas frescas e um buquê de outros aromas instigantes. Se alguém chegasse em casa tarde e perguntasse, sobre o cão, "Quando foi o último passeio?", seria obrigatório que houvesse outrem (invariavelmente eu!) de prontidão e tênis para passear com o cão, ainda que ele tivesse acabado de chegar de uma caminhada de duas horas. A simples pronúncia da palavra o agitava de tal modo, que temíamos (eu temia) que seu coração fosse entrar em extra-sístole de agonia. O Povo era incansável para passeio, e isso nos fez abolir essa palavra de nossas conversas. Passamos a nos referir a ela (a palavra proibida, que assanhava o cão rueiro) como “a palavra com a letra P”, expressão que sussurrávamos entre os dentes, assoviando e olhando pro teto, a fim de despistar o cão. Mesmo assim, não houve jeito: ele, metendo aquele focinho cheio de bigode na conversa da gente, logo entendeu que “a palavra com a letra P” era a nova senha para a abertura do portal que o levaria a bla bla bla. Foi assim que tivemos de dar ao Povo um sítio pra chamar de seu, pois um cão incansável para aquela palavra com a letra P, precisa se nãnãnã sozinho. E ele continua se nãnãnando sozinho, e nós continuamos proibidos de pronunciar a palavra com a letra P.
Moral da estória: Nunca ensinem um cão a tiranizar seu dono, pois ele aprende rápido e não esquece jamais.
Moral da estória 2: Nunca acreditem que um veterinário faz em casa, com seus bichos, aquilo que ele ensina aos clientes (ele faz justamente o contrário).
Moral da estória 3: Cães mandam, donos obedecem.
Moral da estória 4: Se você não tem tempo de passear longamente ao menos duas vezes por dia com um cão, reconsidere o desejo imoral de tê-lo em detrimento de sua felicidade.
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