Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Tudo na vida é passageiro, menos o coelho e o motorista.

Tenho andado muito de táxi, mais do que gostaria. É o preço que pago por minha desorganização, mas algumas vezes a corrida se paga sozinha. Como hoje, quando um taxista fofo que me transportou por 10 exatos minutos, usou o gancho d'eu ser veterinária pra iniciar um monólogo maravilhoso sobre um coelho que lhe cruzou o caminho dia desses:

Outro dia, dona, passando pela Fonte da Saudade, um coelho -- olha só como são as coisas! -- atravessou a rua, pulando na frente do meu carro. Tava escuro ainda, eu saí do carro, não entendendo nada, né?, pra ver o que que eu quase tinha acabado de atropelar. E tava lá o coelho no meio fio, todo encolhido, coitado. Olhei em volta, não tinha ninguém, né?, vi aquele coelho todo gordinho e enfiei o bicho dentro do meu carro, debaixo do banco do carona. Não deu nem hora, o coelho mijou aquilo ali tudo. E aquele xixi de coelho, né dona? -- a senhora que é veterinária sabe, né? -- fede pacaramba! Tive de parar no posto pra lavar o tapete, e o posto era defronte pruma feira ali em Botafogo, sabe onde?, então pedi umas cenouras pro feirante, forrei os tapetes do carro tudo com jornal e deixei o coelho debaixo do meu banco, que tava mais seco, com as cenouras. E fomos rodar, eu e o coelho. E o coelho, sabe como é, né?, comendo que nem um maluco aquelas cenouras lá. Daí, não deu nem meia hora, peguei uma passageira indo pra Copacabana e ela, dentro do túnel, tudo meio escuro, me estendeu umas bolinhas e disse: 'Ó, moço, alguém deixou arrebentar um colar aqui: tá cheio de bolinha no chão do táxi.' Eu vi aquilo na mão da dona, mas o que que eu ia dizer pra ela? Que ela tava com a mão cheia de cocô de coelho? Peguei e não disse nada. Fiquei quieto, na minha. Mas com uma vontade danada de torcer o pescoço daquele diabo de coelho. Deixei a passageira e fui no posto duns camaradas meus, limpei o tapete do carro de novo, arrumei uma caixa e pedi pra eles cuidarem do coelho pra mim até eu ir pra casa. Não deu nem hora, me ligam os cara do posto, pedindo pr'eu ir pegar o coelho, que ele não ficava quieto na caixa e o gerente não queria ele ali. Tive que voltar lá pra pegar o coelho e levar em casa, lá em Vargem. Chegando lá, não tinha ninguém em casa, só a poodle da minha filha. Enquanto eu comia um negócio, tou ouvindo um caim, caim, caim: era o fiudaputa do coelho que tinha sentado porrada na poodle. O mau caráter ficou de pé que nem um canguru, rapaz, e deu na poodle de soco na cara e tudo, nunca vi uma coisa dessas! Aí, não teve jeito: não tinha como deixar a poodle sozinho com esse coelho descarado, então fui na vizinha pedir uma vaga pro coelho no galinheiro dela. E já fui dizendo: ó, esse coelho é vigarista; se ele bateu no meu cachorro, vai fazer ensopadinho dessas suas galinhas aí. Mas a vizinha não se acanhou: deu uma vaga pro coelho e disse que eu podia pegar ele de volta à noite.

E aí?, perguntei eu.

E aí, dona, já viu, né? A vizinha me disse que o coelho fugiu, mas tenho pra mim que ela passou o bicho na panela. Eu bem que notei os zoinho dela brilhando quando eu deixei o coelho com ela. Ela pegou o bicho na mão, medindo peso e tudo.

***

Eu ia perguntar se ele já tinha dado carona pra algum outro bicho estranho, mas fiquei em silêncio para apreciar o momento e a estória. E fiquei pensando, cá com os meus botões: MM tem razão: o mundo é muito estranho.