Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, abril 12, 2007

A falta que o celular me faz.

Achei que fosse ser moleza ficar sem celular. Alguns dias antes de me tornar uma mulher pré-paga, meu Motorolinha quebrou. Pra minha sorte ou azar (do meu desapego), Tia Daisy tinha um Motorola Oi encostado, prontificou-se a emprestá-lo, eu aceitei imediatamente (como um bêbado que suga a última gota da garrafa), corri pro computador, repassei os dados do meu quebradão pro emprestadão, e a vida seguiu feliz e despreocupada por algum tempo. Até que eu fiz aquela fatídica ligação de uma hora pro *144 da Oi, dando um basta na nossa relação. Apesar da atendente ter feito de um tudo pra me convencer a permanecer pós-paga, eu fiquei firme e forte, rezei pro meu anjo da guarda e consegui trocar "o céu é o limite" pelos 25 reais mensais que duraram 24h. E no final do último centavo, de tão deprimida, desliguei o celular e fiquei assim, sem minha muleta social, por 4 dias. Criei olheiras, perdi o apetite e pensei em suicídio umas vinte e nove vezes durante todo o feriado.

Vocês vão dizer: Ah, Vanessa, deixa de drama... É só um celular! Seria pior se você tivesse perdido um pai, uma mãe, um filho ou (bate na madeira, esconjuro!) um peludo! Mas eu estou mal, gente. Meus sinais vitais estão fracos e estou me sentindo paralisada, como se tivessem amputado meu direito de ir e vir, de falar com quem eu quiser à hora que me der na telha. De ligar pra alguém de quem eu acabei de me despedir e dizer: "Ih, menina, não sabe da maior!...", e encarar 40 minutos num 592 como se estivesse me bronzeando numa ilha deserta, cercada de mar azul, coqueiros e surfistas musculosos por todos os lados. Celular é uma máquina de produzir endorfina.

Nos primeiros dias, confesso que até senti um certo alívio auricular, parecia que minha audição tinha melhorado. Eu não notava, claro, mas vivia com os pavilhões auditivos tampados, ora de um lado, ora do outro (porque celular esquenta a orelha do contribuinte que fala muito). De repente, eu passei a notar que ainda há passarinhos piando nas árvores carcomidas de cupim da cidade; que bicicletas fazem um barulhinho gostoso, e há muitos barulhinhos gostosos ao entardecer. Notei também que é muito desagradável ouvir uma perua na sua frente entrar no 592 aos gritos de "Ih, nem te contei, minha filha!..." e passar os 40 minutos inteiros do trajeto narrando uma história que, se espremida com fúria e força, não renderia nem uma cena de ruim de Malhação. Ainda mais desagradável que a perua fútil que grita ao celular é você querer ouvir passarinhos, crianças saindo da escola, ronco de motor de ônibus, TUDO, menos a voz estridente dessa mocréia nojenta, que quebra sua concentração e te mantém ad nauseum na mesma linha do livro, nos 40 minutos do trajeto.

Pollyanna Moça até que achou bom fazer uma autocrítica de seus maus hábitos telefônicos. Sua fonoaudióloga sempre dizia -- mas ela não acreditava, porque toda pessoa contente é alienada -- que o celular nada mais é que um microfone e, como todo microfone, amplifica a voz (não precisa gritar, que gritar é feio, gente). Mas a verdade, a verdade única e profunda, é que a gente quer mais é que a Pollyanna se foda, vá ficar contente lá na casinha do caralho e, de lá, me remeta -- sem trocadilhos, que eu tou puta! --, de preferência por SEDEX HOJE, o celular perdido.

O desespero da abstinência celulárica foi tanto que hoje eu quebrei um jejum compulsório e conversei com meus pais. Estamos há 3 semanas sem nos falar, porque esta é a dinâmica da minha família mezzo italiana, mezzo louca; mas hoje eu puxei assunto e assim, como quem não quer nada, perguntei, mui casual e desinteressadamente, se eles não teriam vontade -- ou um desejo remoto... -- de fazer um pacotão família de telefonia móvel, com larga fartura de minutos, torpedos, roaming, MMS e tudo que uma família feliz tem direito. Fui tão elouqüente, que chorei no meio do meu discurso de apresentação, dizendo que o pacotão aproximaria a gente: afinal, são 250 minutos por mês pra gente se falar DE GRAÇA! Porque, afinal, eu amo meus pais e eles me amam, não há a menor dúvida -- o problema é que a gente não está se comunicando direito, e pra gente se comunicar efetivamente, como todo mundo, a gente precisa poder falar mais no celular. A gente precisa falar mais no celular pra ser mais feliz, mais unido, mais grudadinho, mais (e tome lágrimas pra desenvolver a idéia)... gente, entende?

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Desculpem, tive de fazer uma pausa pra enxugar os olhos. Foi uma conversa muito difícil e tensa, vocês não têm noção do que eu passei!

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Meu pai ficou cabreiro, afinal ele teria de trocar seu tijolão e número bicentenário da Vivo por outro número e aparelho ligeiramente menos medonho (mas gratuito) de uma operadora GSM qualquer, porque meu aparelho (GSM) tem garantia estendida até 2008; e, na minha modesta opinião, a Vivo não ficará Viva por todo esse tempo. Ele quase desistiu, pro meu desespero, quando cismou de entender o que diabos é um MMS e pra que serve pacote de dados; sugeriu que parássemos de assinar o Velox por causa do mísero 1 MB/mês que nós 3 ganharíamos se fizéssemos o pacotão, mas eu o confortei dizendo que ele podia ficar despreocupado que eu utilizaria sozinha aquele mega, porque o celular dele é ruim demais pra entender pra que serve isso.

No final, sentamos na frente do computador, como uma família unida, e escolhemos um pacotão do nosso tamanho e os aparelhos menos medonhos que a operadora dá em troca de um ano de fidelidade. E fomos felizes para sempre. Já faz 25 minutos.

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Nos dias de hoje, eu não daria nada por um ano de fidelidade. As pessoas são naturalmente infiéis. Tomem-me como exemplo: troco de celular como quem troca de namorado; de provedor de internet a cada décimo terceiro mês; e de idéia -- perche la donna è mobile qual piuma al vento -- sempre que aparece uma melhor. Ou um pouquinho mais obstinada.