Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, junho 10, 2007

Observações de uma corredora inconsistente.

Eu ia dizer que eu sou uma corredora indisciplinada porque eu corro semana sim, semana não (às vezes semana sim e duas semanas não), mas achei muito duro me taxar de indisciplinada: prefiro o termo mais preciso e libertário-auto-complacente “inconsistente”. Há criminosos piores que eu soltos por aí, então não serei eu mesma a me colocar no banco dos réus hediondos.

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Neste final de semana, corri uma meia-maratona. Não tudo de uma vez, é claro, mas 21km em dois dias. No mundo ideal, seria permitido correr uma meia-maratona em dois dias, e uma maratona inteira em três ou quatro. Infelizmente, as pessoas atléticas são muito rigorosas, não sei bem porquê, e têm essa mania estranha de fazer coisas que a maioria dos mortais não consegue, como correr 40 km em 2 horas (quase o tempo que se leva de carro do Leme ao Pontal na hora do hush). Ah, a chama olímpica ainda não se acendeu em mim, mas eu tenho simpatia especial por todo tipo de maluco, embora alguns modelos de maluco, como diria a Cora, devam ser apreciados à distância, como os bipolares extremóides, os materialistas preferenciais e os suicidas que te visitam no décimo segundo andar só pela chance de pular da janela enquanto você vai à cozinha pegar um copo d'água.

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Eu corro com o iPod implantado nos ouvidos. Há poucos dias, um amigo viu meus fones brancos e profetizou: Serás assaltada! Arranja outro fone! Perguntei o porquê e ele me disse que os ladrões reconhecem os fones brancos da Apple a quilômetros. Eu achei a informação estranha e desencontrada, porque pego ônibus na Central do Brasil todos os dias com esses fones nos ouvidos e nunca senti olhares de cobiça pra cima do meu radinho. Aliás, é comum ver pessoas com fones idênticos aos meus, de forma que eu me sinto extremamente protegida pelo anonimato, que nada mais é que ser igual a todo mundo. Meu amigo insistiu que é “muito perigoso, vai por mim” usar os fones da Apple fora do estreito círculo de confiança de meu condomínio com seguranças e câmeras ocultas, mas aparentemente eu venho desejando há algum tempo ter a seguinte conversa antropológica com um ladrão, que é, sem tirar nem pôr, um ser humano igual a mim:

- Passa o aipode.
- Você acha correto dispor do patrimônio dos outros assim?
- Ih, o cara, aê. Essas músicas que você tem aí, no aipode: são compradas?
- Nem todas.
- Pois ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Agora passa!
- OK. You have a point.
- Quê?
- É um provérbio chinês que quer dizer: “Deus dá, Deus toma.”
- Foda-se. Você está tomando meu tempo: time is money, como se diz na China.
- OK. Tó. Vai com Deus, colega.
- É nóis!

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Se eu não corresse com o iPod implantado profundamente em minhas membranas timpânicas, eu seria obrigada a ouvir gente dizendo coisas como:
- Gostosa, vou te chupar todinha!
- Ê, bundão, benza Deus!
- Shhhhhhh, que saúde...
- Passa o aipode!

Ainda bem que eu passo surda e correndo por tudo isso. A música melhora a vida das pessoas que correm, além de torná-las imunes ao assalto rádio-amador.

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Descobri porque corro semana sim, duas semanas não: os primeiros 30 minutos de corrida são hardcore. Tudo dói, dá vontade de ir ao banheiro, dormir e finalmente morrer, parece que os joelhos vão sofrer fraturas avulsivas, a asma dá o ar de sua graça, mas passado o período crítico do aquecimento, a impressão que dá é que é perfeitamente possível correr pro resto da vida, sem parar.

É claro que eu nunca tentei. Não sou louca nem nada.

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Eu não sou deste tempo. Eu sou um ser humano que deveria ter sido adulto jovem na década de 70. Graças ao e-mule, gravei a trilha de Hair no meu radinho. É muito frustrante ter nascido 20 anos depois e precisar usar boné porque as pessoas de hoje em dia não entendem as outras de cabelos desgrenhados.

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Adoro correr em Miguel Pereira. Meus peludos se alongam comigo (eles são lindos quando se alongam!), e não sei porque, eles acham que eu estou brincando quando abraço a perna dobrada, alongando minha extensa musculatura glútea. É neste momento que eles cheiram, à minha revelia, todas as partes pudendas que me pertencem, achando muito engraçado eu me expor dessa forma. Pois meus peludos me tocaram uma real que eu nunca tinha percebido: o alongamento é o paraíso do voyeur, uma outra espécie de maluco que a gente deve manter a uma luneta de distância.

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Porque já estou inscrita há 3 meses, quando o otimisto fantasioso me movia, eu vou correr a meia maratona da Caixa, em 24 de junho. No entanto, algo me diz que será flórida completar o percurso sem ter de passar os meses seguintes numa cadeira de rodas. Pollyanna Moça, em meu lugar, diria: “Minha querida, o que é um aleijão temporário diante da satisfação de correr 21km e ainda ganhar uma medalha e uma banana madura por isso?”. E eu penso: essa mulé, essa tal de Pollyanna, é cafona e escrotinha... mas às vezes faz sentido.

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Eu sei que é ridículo, afinal nem corri minha primeira meia maratona, mas já estou fazendo planos de correr a maratona de Paris com meu marido inteligente, divertido, lindo e apaixonado, depois de nossa lua-de-mel nas Seychelles.

E pensar que tudo começou com uma ingênua corridinha de 21 km... (Boa noite, galera, que amanhã acordo cedo pra correr 10km: Deus ajuda quem cedo madruga!)