Olhos frígidos
Eu sou uma pessoa que chora. Os seres humanos podem ser classificados, quanto ao derramamento de lágrimas, como:
1. Os muito chorões, que choram diariamente de alegria, raiva, tristeza ou coisas que a própria razão desconhece (eu, por exemplo);
2. Os chorões comedidos, que choram em circunstâncias absolutamente previsíveis e socialmente aceitas, como nas cenas mais trágicas de filmes estilo "cachorro-criança-ou-humanista sofre" (quase todos os meus amigos, por exemplo);
3. Os chorões secretos, que seriam do tipo 2 se não tivessem tido uma avó, mãe ou pai castrador que disse, naquela idade em que tudo marca, "que meninos não choram". Esses choram, sim, mas ninguém vê, ninguém percebe e, se perceber, toma porrada (quase todos os machos latino americanos que eu conheço e algumas damas de ferro, duras por fora e macias por dentro, que já sofreram tanto nessa vida que acham que choro é coisa de mulherzinha, algo que elas se recusam a ser porque sabem que o mundo passa que nem trator sobre gente com sentimentos -- tenho grandes amigas assim);
4. Os chorões funcionais, que só choram quando o médico -- geralmente um chorão funcional ele mesmo, por uma mera questão de sobrevivência -- diz "aproveite ao máximo seus últimos dois dias de vida" ou "não tem jeito, sua perna terá de ser amputada hoje". Esses não choram normalmente porque têm sempre muitas coisas pra fazer, geralmente são pessoas muito ocupadas e importantes, grandes chefes e líderes que não podem correr o risco de externar nenhuma fraqueza, até que a vida lhes prova que é frágil, e pronto. Morro de pena desses chorões e tenho cá pra mim que se eles tivessem chorado lá atrás, ainda que secretamente, talvez não precisassem estar na frente de um médico com notícias assim, tão ruins.
5. Os incapazes de chorar. E sobre esses, não vou entrar em detalhes, porque eu não conheço um, e tudo o que dissesse sobre este tipo seria pura ficção científica da minha cabeça. Pero que los hay, los hay! Desconfio que o Elias Maluco seja um desses.
Pois eis que eu, uma chorona clássica do Tipo 1.AA, ou seja, o tipo mais chorão dentre os mais chorões, fui pela enésima vez nos últimos 12 meses ao meu oftalmo pra tentar entender porque meus olhos coçam tanto. Para uma mulher de minha idade, coceira de olho é mais do que um problema clínico, é praticamente plástico-cirúrgico, porque olho que coça é olho com rugas.
Meu médico de olhos, humano como poucos, me tasca, então, o seguinte rótulo na testa: "Seu olho coça porque é seco". Ele não tirou esse diagnóstico assim, da cartola, não. Fui lá sequencialmente, usei uns colírios, fiz uns testes e, então, ele veio com essa conclusão que me fez gargalhar no primeiro segundo:
- Olho seco, eu?!? Mas eu choro à vera! Meus olhos nunca estão secos.
- É, você espreme suas glândulas lacrimais, mas o que sai é uma lágrima de baixa qualidade.
Olha como ele foi delicado! Podia ter dito: "Sua lágrima é uma merda, não serve pra porra nenhuma, de tanto chorar suas glândulas lacrimais ficaram esgotadas e perceberam que teu lance é quantidade, e não qualidade. Você perdeu a credibilidade com elas."
E aí, é claro, eu chorei, lembrando do inferno que é tratar um beagle ou um cocker de olho seco:
- Mas eu vou ter olho seco pro resto da vida?!? Vou ter de pingar um KY ocular pro resto da vida?!?, e deitava um rio de lágrimas imprestáveis no consultório do meu médico, que tentava me convencer de que meu problema não era assim, tão grave. Que há coisas piores.
Imagina se uma coisa pior me acontece! Nem uma lágrima decente que preste eu terei pra derramar, terei de pingar uma lágrima artificial. Quando eu digo que o fim está próximo, vocês não acreditam.
1. Os muito chorões, que choram diariamente de alegria, raiva, tristeza ou coisas que a própria razão desconhece (eu, por exemplo);
2. Os chorões comedidos, que choram em circunstâncias absolutamente previsíveis e socialmente aceitas, como nas cenas mais trágicas de filmes estilo "cachorro-criança-ou-humanista sofre" (quase todos os meus amigos, por exemplo);
3. Os chorões secretos, que seriam do tipo 2 se não tivessem tido uma avó, mãe ou pai castrador que disse, naquela idade em que tudo marca, "que meninos não choram". Esses choram, sim, mas ninguém vê, ninguém percebe e, se perceber, toma porrada (quase todos os machos latino americanos que eu conheço e algumas damas de ferro, duras por fora e macias por dentro, que já sofreram tanto nessa vida que acham que choro é coisa de mulherzinha, algo que elas se recusam a ser porque sabem que o mundo passa que nem trator sobre gente com sentimentos -- tenho grandes amigas assim);
4. Os chorões funcionais, que só choram quando o médico -- geralmente um chorão funcional ele mesmo, por uma mera questão de sobrevivência -- diz "aproveite ao máximo seus últimos dois dias de vida" ou "não tem jeito, sua perna terá de ser amputada hoje". Esses não choram normalmente porque têm sempre muitas coisas pra fazer, geralmente são pessoas muito ocupadas e importantes, grandes chefes e líderes que não podem correr o risco de externar nenhuma fraqueza, até que a vida lhes prova que é frágil, e pronto. Morro de pena desses chorões e tenho cá pra mim que se eles tivessem chorado lá atrás, ainda que secretamente, talvez não precisassem estar na frente de um médico com notícias assim, tão ruins.
5. Os incapazes de chorar. E sobre esses, não vou entrar em detalhes, porque eu não conheço um, e tudo o que dissesse sobre este tipo seria pura ficção científica da minha cabeça. Pero que los hay, los hay! Desconfio que o Elias Maluco seja um desses.
Pois eis que eu, uma chorona clássica do Tipo 1.AA, ou seja, o tipo mais chorão dentre os mais chorões, fui pela enésima vez nos últimos 12 meses ao meu oftalmo pra tentar entender porque meus olhos coçam tanto. Para uma mulher de minha idade, coceira de olho é mais do que um problema clínico, é praticamente plástico-cirúrgico, porque olho que coça é olho com rugas.
Meu médico de olhos, humano como poucos, me tasca, então, o seguinte rótulo na testa: "Seu olho coça porque é seco". Ele não tirou esse diagnóstico assim, da cartola, não. Fui lá sequencialmente, usei uns colírios, fiz uns testes e, então, ele veio com essa conclusão que me fez gargalhar no primeiro segundo:
- Olho seco, eu?!? Mas eu choro à vera! Meus olhos nunca estão secos.
- É, você espreme suas glândulas lacrimais, mas o que sai é uma lágrima de baixa qualidade.
Olha como ele foi delicado! Podia ter dito: "Sua lágrima é uma merda, não serve pra porra nenhuma, de tanto chorar suas glândulas lacrimais ficaram esgotadas e perceberam que teu lance é quantidade, e não qualidade. Você perdeu a credibilidade com elas."
E aí, é claro, eu chorei, lembrando do inferno que é tratar um beagle ou um cocker de olho seco:
- Mas eu vou ter olho seco pro resto da vida?!? Vou ter de pingar um KY ocular pro resto da vida?!?, e deitava um rio de lágrimas imprestáveis no consultório do meu médico, que tentava me convencer de que meu problema não era assim, tão grave. Que há coisas piores.
Imagina se uma coisa pior me acontece! Nem uma lágrima decente que preste eu terei pra derramar, terei de pingar uma lágrima artificial. Quando eu digo que o fim está próximo, vocês não acreditam.
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