Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, junho 29, 2008

Meia volta, volver.

OK, talvez eu tenha agido de forma precipitada quando me inscrevi para a meia maratona de hoje em dezembro do ano passado. No reveillon, quando as pessoas de copo meio cheio de espumante são puro otimismo e entusiasmo com a esperança de um ano melhor, ninguém pensa em sinusites seqüenciais, fascite plantar bilateral, metatarsalgia e a preguiça infinita que qualquer mortal teria de tratar tudo isso com sessões intermináveis de acupuntura, fisioterapia e chás imensuráveis de cadeira em consultórios médicos diversos. A última coisa que me faltava fazer para a reabilitação dos pés era o repouso, mas quando vi todo o resto falhar, resolvi passar 3 semanas sem correr nadinha. Depois de tanta moleza, quem disse que eu consegui voltar a correr? Meus pés, além de não estarem completamente reabilitados, simplesmente se acostumaram com a vida boa. Hoje de manhã, quando acordei às 4h30 e ordenei que eles se calçassem e ficassem prontinhos pra gente correr 21km, os ingratos se plantaram na cama com todas as forças, apesar da fascite, e praticamente me obrigaram a dormir até as 8h.

Na verdade, eu desisti de correr esta meia maratona apenas ontem (desengano de cego é furar o olho), mas como já tinha pago a inscrição e como briguei com um burocrata babaquinha em maio para manter comigo este comprovante de pagamento, achei apenas justo ir ao posto de distribuição de kits para pegar o meu, com a camiseta e o boné. Chegando lá, pro meu choque e horror, as camisetas tinham acabado, mas em compensação eu recebi o chip de corrida antecipadamente e a promessa de que, com o tempo que teria livre por causa da antecipação do chip, eu poderia buscar minha camiseta no local de largada. OK. Saí de lá insatisfeita - claro, eu só queria a camiseta! -, mas quando eu botei meu cérebro pra funcionar, dei-me conta de que:
1. O local de largada, Praia do Pêpe, fica na Barra, a 25km de minha casa, e eu não tenho carro;
2. Os ônibus que conectam meu bairro à Barra passam de ano em ano, e deixam o passageiro a 5 km do Pêpe;
3. A largada seria às 8h, mas os ônibus do evento que levam os participantes ao além túnel partiriam do Aterro entre 5h e 5h30, então pra eu chegar à largada antes da corrida teria de sair de casa às 4h30, porque eu tampouco moro no Aterro;
4. E por último, justamente por ser o mais traumatizante, o chip TINHA DE ser devolvido, ou um homem de macacão vermelho viria bater na minha porta pra cobrar R$90 por esse pedaço de plástico ridículo.

Ou seja: ontem fui dormir preocupada com o que meus pés achariam se eu os obrigasse, de uma hora pra outra, depois de tantos dias de férias, a correr 21km. Minha sorte é que eles são pés-soas sensatas, tomaram a decisão correta e meu domingo começou comme il fault: com café da manhã e jornal na cama, na agradável companhia de Lála, o cão que sabe viver.

O problema dos pés estava resolvido, mas o do chip, não. Por volta das 10h, quando meus pés já estavam convencidos de que não seriam colocados na arena com os leões, resolvi correr até o Aterro para entregar o chip. Não seriam 21km, mas uns 10, e com honra ao mérito. No primeiro quilômetro, sinais inequívocos de dor; na marca dos 1200 m, lágrimas me saltavam dos olhos. No quilômetro dois, eu estava oficialmente mancando como se tivesse corrido sobre cacos do Pontal ao Leme. Aumentei o som pra não ouvir o protesto dos meus insolentes pés e cheguei mancando ao freak-show da festa esportiva, onde as pessoas são fortes, magras, têm pés perfeitos e exibem orgulhosas suas medalhas de conclusão de prova entre uma sessão de massagem e outra de alongamento. Espiei uma medalha de relance: era a mais bonita que já vi na vida: tinha o vulto de um corredor com um sol ardente ao fundo e me provocou um ligeiro arrepio de inveja. Consegui trocar meu chip por uma camiseta, mas à medida que me afastava das barracas, mais medalhas iam aparecendo à minha frente, e aí, quando eu menos esperava, desabei a chorar. Eu não sabia bem porque chorava, se por não ter tentado, ou se por ter frustrado tantos meses de expectativa, ou se por medo de nunca mais conseguir correr de novo. Afinal, eu tentei dois médicos, dois antiinflamatórios, dois acupunturistas e 14 sessões de fisioterapia, sem contar o repouso.

Eu tinha 5km pra voltar e pouco tempo pra decidir o que fazer da minha tristeza: voltaria caminhando cabisbaixa ou faria alguma coisa pra elevar minha moral? Achei que podia elevar minha moral aplaudindo os corredores que chegavam ao Aterro, mas na primeira tentativa de elevar a moral dos atletas que passavam por mim a 2km da reta final, percebi que não estava forte o bastante para incentivar outros a fazerem o que eu não fiz. Tive um pensamento vergonhoso: quando achamos que alguém tem tudo, não conseguimos pensar em nenhum bom presente pra dar a essa pessoa, e no caso dos atletas, eu não estava conseguindo sequer dar o meu apoio.

Foi quando eu vi um homem mancando bem mais do que eu. A julgar por sua cara contorcida, pressenti que ele estava prestes a abandonar a prova, então eu gritei: "Falta pouco! Você veio até aqui, é o meu herói, e agora falta pouco! E a medalha... é a mais bonita que eu já vi em toda a minha vida." Eu chorava daqui, ele chorava de lá, e passamos menos de 3 metros nos olhando enquanto nos aplaudíamos seguindo em sentidos contrários: ele ia rumo ao pódio da missão cumprida, e eu rumo ao pódio do coração partido, que no fundo sabe que esta é só uma fase de pé ruim, mas dias melhores virão.

PS: enquanto eu escrevia este post, Lála comeu minha meia Asics e a calça que eu usei pra ir ao Aterro. Na linguagem dos cães, isto quer dizer: mova esse seu traseiro gordo e me leve pra passear. Como eu disse, ela é um cão que sabe viver.