Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sábado, julho 19, 2008

O pior cego

Estive recentemente no meu oftalmologista. Visita de rotina, só pra sair da rotina das conjuntivites semi-letais e do olho seco terminal. O que vou dizer agora pode parecer meio louco, mas -- porque os olhos são a janela da alma e o oftalmologista é o médico que cuida dos olhos, -- eu sempre encontrei no consultório do meu oftalmo algumas das melhores metáforas da vida. Da minha vida. Episódio metafórico de hoje...

O pior cego

Reclamei com o Evandro, meu médico de olhos, das dores de cabeça que vinha sentindo sempre que insistia em usar os óculos. Ele me sentou naquela cadeira estranha, deixou o consultório na penumbra e colocou todas as letras na parede. De acerto em acerto, fui ficando surpresa - e até sem graça! - com minha extraordinária acuidade visual. Percebendo o clima de "a taça do mundo é minha", despistei:
- Ah, o K também é moleza. Ninguém consegue confundir o K com o M, por exemplo. Difícil mesmo é diferenciar o D do O na última linha.
- Morena, seu grau diminuiu.
- Sério?!? Tem certeza? Será que não é só um artefato cerebral momentâneo?
- Não, não é. E é por isso que você tem sentido dores de cabeça.

Hesitei por alguns instantes, pensei nos prós e contras do pedido, mas acabei mandando:
- Vamos fazer o exame de novo, só pra ter certeza?
- Não, morena. Você vai é fazer novas lentes.
- Ai, caceta.... Essa indecisão dos meus olhos vai acabar me levando à falência!
- Ué, achei que você fosse ficar feliz por estar enxergando melhor.
- Pois é. Talvez eu não queira enxergar tão bem.

Foi aí que eu enxerguei, no semblante do meu metaforista de plantão, um sorriso que queria dizer exatamente isso: o pior cego é aquele que perde tempo temendo enxergar. Enquanto ele anotava em um cartão minha nova prescrição, eu tive uma epifania: daquele dia em diante, eu me esforçaria para enxergar pelo menos dois palmos a frente de meu nariz. Não da janela da alma pra fora, mas da janela da alma pra dentro. De par de palmo em par de palmo se vai ao longe, e de par em par não se chega a sete.