Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

terça-feira, dezembro 16, 2008

O dia em que eu chamei Papai Noel de colega.

Ontem a Rita veio me mostrar sua mais recente descoberta: seus primeiros fios de cabelo branco. Ela, que é uma pessoa empolgada com tudo, até com isso, ia me contando o quanto é incrível ter cabelos brancos, que uns fios ficam brancos só do meio pra baixo, que eles são mais grossos, mais duros, mais isso e mais aquilo, e eu, animada com a animação alheia, pedi, distraidamente, que ela olhasse em minha cabeça pra ver se encontrava algum fio branco. Na verdade, eu nunca dispensei um pretexto pra que fizessem um cafuné na cabeça, e pedir pra Rita procurar o que meu cabeleireiro procurou e não achou há 3 exatas semanas era apenas uma desculpa fraca pra ganhar um carinho capilar. Mas o que eu não podia imaginar, meus amigos, é que ela encontraria meu primeiro cabelo branco.

Inicialmente, eu fiquei incrédula. Olhei bem praquele fio branco estranho, bem barba de papai noel e bem encaracolado e perguntei se era meu mesmo, se não era dela (que também tem cabelo cacheado), e se ela não estaria, por acaso, de sacanagem com a minha cara. Foi minha fase de negação. Eu simplesmente não reconhecia aquele fio, ele tinha de ser da Rita, só podia ser da Rita, mas ela disse que não, que não brincaria com uma coisa dessas, e pôs-se a procurar por mais fios de cabelo branco no ponto onde ela havia encontrado unzinho porque, segundo ela, eles crescem em "ninhos", e onde há um, geralmente há mais.

Ao imaginar minha cabeça cheia de cabelos brancos felizes, fazendo ninhos e se multiplicando em PG, construindo puxadinhos e aumentando suas famílias em minha cabeça, de uma hora pra outra e assim, longe do espelho - antídoto nem sempre eficaz para os problemas de autoimagem -, eu entrei na fase tudo-em-um (e tudo-ao-mesmo-tempo-agora) de revolta, dor, desespero, choque e horror. Tive a nítida sensação de ter despencado dum abismo sem pára-quedas, e tudo em que conseguia pensar era que eu tinha saído de casa nova, sem cabelos brancos e que, de repente, no trabalho, E PROVAVELMENTE POR CAUSA DO TRABALHO (minha fase de encontrar o culpado, porque uma das mais importantes leis da física roga que toda grande merda tem de ter algum culpado), eu tinha ficado velha: cheia de ninhos de cabelos brancos, bem grisalha e anciã, 10 cm mais baixa por causa da osteoporose e completamente fragilizada pelo tempo. Obviamente, porque senão não seria eu, este auto-retrato triste, alterado no mais cruel dos photoshops afetivos, me fez levantar da cadeira, sentir uma aflição inominável em algum canto da alma, uma coceira nos olhos, um nó na garganta, até que, finalmente, eu abri a boca e entreguei-me a um choro solto, alto e soluçado, como o das crianças quando não conseguem explicar exatamente se estão chorando porque caíram e ralaram o joelho (embora não tenha sido nada!) ou se porque caíram e o mundo, cruel expectador de todos nossos passos em falso, parou para ver - e viu.

A Rita, acostumada que é a lidar com crianças ridículas de 4 anos (porque tem uma filha dessa idade), pôs-se a me consolar dizendo que não era bem assim, que "ninho" é modo de dizer, que ela só tinha encontrado mais outro [fio branco] e que se eu não parasse de chorar, aí sim é que ia nascer um monte deles na minha cabeça! Aí, pronto: diante de ameaça tão forte, parei de chorar. Foi minha fase de controlar os danos, ainda que haja controvérsias científicas sobre o fato de chorar trazer mais cabelos brancos ou não.

Há poucas semanas, a Carrie, a Estranha, escreveu um post sobre a descoberta de seus cabelos brancos. Eu fui lá e deixei um comentário todo poético, dizendo que os cabelos brancos chegam na hora exata em que nos damos conta de que temos estrada, já passamos por poucas e boas, não somos mais moleques e, por isso, merecemos respeito, mas é muito fácil pra um teórico falar do cabelo branco alheio, que cabelo branco na cabeça dos outros é refresco. Então depois de ler aquele texto e aqueles comentários todos de novo, depois de fazer biquinho pras pessoas mais próximas e reclamar (inutilmente) da impiedade do tempo, eu comecei a perceber que reagi muito mal aos primeiros fios de cabelo branco. Realmente, não posso dizer que os recebi com fogos de artifício, nem que achei o máximo, como a Rita, ver que eles são duros e grossos, ó, quase marrentos, ao contrário dos fios castanhos "normais". Confesso que achei uma merda, que preferia um mês sem televisão ou videogame a isto, mas como toda criatura infantil ridícula, porém apta e disposta a sobreviver, eu vasculhei minha alma em busca de uma vantagem para essa situação grisalhística e encontrei: agora eu posso chamar o Papai Noel de colega. Ele provavelmente não vai entender nada, claro, mas vai me fazer muito bem saber que eu chorei menos do que ele (e por isso minha cabeça não ficou tão branquinha).

Quanto à nova cor de meus cabelos, vou deixar a coisa ficar realmente estranha (e se ficar, porque algumas mulheres ficam muito bem grisalhas) para pensar em corrigir esse ato falho da natureza. Por enquanto, vou tentar me resignar com a idéia de que não sou mais moleque e que meus 4 parcos fios de cabelo branco são um belo indicativo de que já é tempo d'eu me gostar.